Kharkiv ficou completamente destruída após ataques russos
Arquivo Pessoal/Alina Dubeiko
Kharkiv ficou completamente destruída após ataques russos

Kiev, 24 de fevereiro de 2022. Morador da capital ucraniana, Alex Prokhorenko, se deita pouco mais de 1h da manhã (horário local) sem imaginar que o pior pesadelo da vida dele iria começar. Três horas depois, é acordado por uma sirene disparada no centro da cidade: era o começo dos bombardeios russos à Ucrânia.

As dezenas de chamadas perdidas no celular, além da gritaria dos vizinhos, eram indícios da necessidade de se procurar abrigo. Alex foi parar no estacionamento do prédio, no segundo subsolo. Todos os moradores passaram a se sentir um pouco mais seguros.

Ao sair de casa no nascer do sol, uma imagem inesquecível: trânsito caótico em direção a saída de Kiev. Supermercados, farmácias e bancos lotados de ucranianos em busca de abastecimento de alimentos, remédios e dinheiro para se manter em meio à guerra.

"Era um enorme engarrafamento fora da cidade em direção à parte ocidental da Ucrânia. Nada funcionou naquele dia. No dia seguinte, todos os supermercados ficaram lotados e drogarias tiveram filas imensas para estocar produtos. Em meio a isso, incêndios, bombardeios, alarmes, sirenes e tiros. Aquele dia foi algo que nunca experimentei antes. Ninguém esperava que isso acontecesse", conta Alex, emocionado.

A primeira parte da entrevista, gravada na última sexta-feira (18), precisou ser interrompida após um ataque russo nas proximidades. "Infelizmente não terei tempo para conversar. Estamos sob ataque agora. Foram 5 / 6 bombardeios nas últimas horas."

Nesta quinta-feira (24), completa um mês desde que o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou a entrada de militares no país vizinho. Com a justificativa de "acabar com o nazismo" em solo ucraniano, o exército atirou mísseis, enviou tanques de guerra e armamento pesado para atacar as regiões mais próximas da fronteira com a Rússia.

Dias depois, os países começaram a negociar um acordo de paz. A Ucrânia se dispôs a atender ao pedido de Putin de não entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), conhecida por ser a aliança militar do ocidente, liderado pelo principal inimigo dos russos: os Estados Unidos.

Nas últimas semanas, entretanto, as negociações esfriaram. A medida que o tempo passa, Alex acredita que não haverá acordo entre as partes e prevê problemas maiores para a Europa.

"As negociações não funcionarão e não ocorrerão. O russo [Putin] não será parado. Ele quer conquistar a Europa e, consequentemente, o mundo inteiro. Ele quer acabar com a Ucrânia para anexar em seu território. Mas acredito que vamos derrotá-lo. Lutar contra ele é meu objetivo", afirma Alex.

"Sob ataque aéreo todos os dias, tenho tentado ajudar pessoas que querem sair da Ucrânia. Levo algumas para a Estação Central para deixarem Kiev. Conseguimos alimentos e deixamos para os mais idosos e compramos alguns medicamentos para manter o tratamento deles por um tempo. Foi o que consegui fazer até o momento", completa.

De lá para cá, a rotina mudou completamente. Antes, andar na rua após às 8h era comum e tranquilo. Após o ataque, o governo ucraniano impôs o toque de recolher às 20h. Mesmo assim, a insegurança de sair de casa faz Alex e outros ucranianos se manterem em lugar seguro para não serem vítimas dos bombardeios.

"Fico em casa o dia inteiro, não sabemos quando haverá ataques. As sirenes se tornaram nossas companheiras nesse último mês. A cada hora é emitido um alerta de ataque."

"Vamos sobreviver à guerra de Putin"

Jornalista, Kristina Zeleniuk era uma dos milhares de ucranianos que acreditavam em blefe de Putin. Após os primeiros ataques, foi à rua para buscar informações sobre amigos e familiares.

A primeira cena que viu, foi um casal protegendo duas crianças usando pedaço de metal como escudo. Parte da população estava empenhada em ajudar a procurar um local seguro ou sair da capital.

Dias após o começo dos ataques, Kristina passou pelo pior susto da vida. Ao olhar pela janela, viu a principal torre de TV da Ucrânia bombardeada, a menos de 500 metros da casa dela.

Kristina não acreditava que Putin fosse atacar seu país
Arquivo Pessoal/Kristina Zeleniuk
Kristina não acreditava que Putin fosse atacar seu país

"Não posso dizer que nunca entrei em pânico ou chorei. É muito difícil se concentrar e trabalhar duro quando os mísseis russos voam sobre sua cabeça. Moro perto da principal torre de TV de Kiev, da fábrica de Antonov e do distrito de Svyatoshino, que já foram atacados por mísseis russos", conta.

A jornalista não esconde a maior preocupação nas últimas semanas: sua avó, de 85 anos, moradora da cidade de Chernihiv. Local já tomado pelos russos, o município do interior da Ucrânia está sem energia, água, alimentos e rede de telefonia móvel.

A idosa, que sobreviveu fez uma promessa à neta na última semana. "Ela me disse que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e agora sobreviverá à Putin", conta.

Kristina faz severas críticas ao ataque russo à Ucrânia e acusa Putin de se espelhar no ditador Adolf Hitler, responsável por milhares de mortes de judeus, homossexuais, negros e mulheres entre os anos de 1941 e 1945.

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"Não havia razão para esta guerra. A Rússia está cometendo genocídio de ucranianos. Putin mata ucranianos por motivos étnicos. Hitler fez o mesmo com os judeus. Os ucranianos não duvidam da vitória. Mas e os outros? A guerra russa em grande escala contra a Ucrânia é um alerta para a ordem mundial. Estamos caminhando para o fim da ordem global baseada em regras do pós-guerra. E enquanto os ucranianos lutam heroicamente no campo de batalha contra um dos exércitos mais poderosos."

"O mundo precisa nos ajudar a combater o mal e a pensar em como será a ordem mundial depois desta guerra. O destino da ordem mundial, que se formou após a Segunda Guerra Mundial, dependerá do resultado dessa guerra", completa.

Alina viu casas de amigos destruídas após ataques em Kharkiv
Arquivo Pessoal/Alina Dubeiko
Alina viu casas de amigos destruídas após ataques em Kharkiv

O inferno está na Ucrânia

Moradora de Khrarkiv, Alina Dubeiko anda pelas ruas com tristeza ao ver o rastro de destruição deixado pelos bombardeios. O centro da cidade ficou irreconhecível.

Ela se lembra que o apartamento de um amigo foi atingido por um míssil, além de ter acompanhado a explosão de um dos principais prédios residenciais da cidade.

"Esses 30 dias foram um inferno. Era difícil acreditar que a guerra fosse possível no século 21. Muitos dos meus amigos perderam suas casas por causa dos bombardeios", relata.

"As forças militares russas não fazem diferença em quais objetos atingir. Eles estão atingindo áreas civis, hospitais, escolas, maternidades. Até filas na frente da padaria. Eles usaram o míssil de cruzeiro para atingir o Edifício da Administração Principal de Kharkiv, no centro da cidade. E isso é o que eu vi pelos meus olhos."

Para se proteger dos ataques, ela, o marido e o irmão foram para Dnipro. Lá, ao menos por enquanto, é possível ter uma vida mais "normal".

Prédio de um amigo de Alina destruído após ataque russo
Arquivo Pessoal/Alina Dubeiko
Prédio de um amigo de Alina destruído após ataque russo

"Voluntários nos ajudaram a chegar aqui. A vida no Dnipro parece normal. Podemos caminhar lá fora, a maioria das lojas ainda funcionam. Não há bombardeio. A única coisa que lembra sobre a guerra aqui é alerta de ataque aéreo e toque de recolher. O alerta de ataque aéreo pode ser frequente ou raro. Por exemplo, ontem tivemos alertas de ataque aéreo durante todo o dia. Quatro ou cinco durante o dia."

Mesmo assim, Alina espera o aceite da Ucrânia na União Europeia e reafirma a necessidade da soberania do país perante a Rússia.

"Espero que a Ucrânia defenda as fronteiras. Para permanecer forte e independente sob a bandeira ucraniana. A Ucrânia é um jovem Estado independente com democracia. A Ucrânia agora está lutando por seu povo, por seus filhos, por seu território e liberdade. Não temos nada em comum com a Rússia, mesmo que a propaganda russa diga o contrário."

O telefone de Anna foi inspecionado pelo exército russo, o que a fez deixar a cidade de Mariupol
Arquivo pessoal
O telefone de Anna foi inspecionado pelo exército russo, o que a fez deixar a cidade de Mariupol

"Não me sinto segura no meu país"

Anna Hrechkina pegou seu diário para descrever o dia de terror que passou há um mês. Ao ler as primeiras páginas, percebeu a mesma cena que presenciou em 2014. Moradora de Mariupol, Anna e sua irmã tinham o som de bombas como música diária. A casa onde moram fica próxima à região separatista de Donetks.

"As pessoas em Mariupol estão acostumadas com esse tipo de som devido às regiões separatistas. Parece-nos que será o mesmo cenário que tivemos em 2014, quando os russos tentaram ocupar nossa cidade como fizeram com Donetsk. Mas desta vez a situação fica cada vez pior a cada dia", conta.

Moradores buscam água em poço em Mariupol
Arquivo Pessoal/ Anna Hrechkina
Moradores buscam água em poço em Mariupol

Ela e a família se esconderam em um bunker próximo do centro da cidade. A energia elétrica foi cortada, pouco alimento foi estocado, não há espaço para dormir no corredor e a água precisa ser tirada de um poço.

"O aquecimento foi desligado, depois a eletricidade e a água. Todos os dias nos acostumamos com novas condições: pegamos água de poços, usamos velas para acender, paramos de tomar banho para economizar mais água. Sempre tive medo de morrer de fome, era impossível encontrar comida, pois todas as lojas eram saqueadas ou até queimadas", conta, antes de completar com a luta para sobrevivência.

"Tivemos que dividir a comida, porque não sabíamos quanto tempo iria durar. Da última vez perdemos gasolina, então as pessoas tiveram que fazer comida pegando fogo bem perto de nossos prédios. Foi o mais difícil para mim, porque todo dia começava a procurar lenha para fazer fogo, as pessoas usavam até móveis próprios, prateleiras de lojas saqueadas. Sempre que faz frio, dormimos com 4 blusas, 3 meias, chapéu e cachecol e ainda continua frio. Nos nossos últimos dias na cidade foi impossível até ferver água, por causa dos ataques ininterruptos."

Por se sentir impotente em meio à guerra e para proteger a família, Anna estuda a possibilidade de deixar a Ucrânia nos próximos dias. O local, no entanto, ainda não foi decidido. Embora acredite na possibilidade de destruição do país, ela ainda tem esperança de voltar e ter paz nos próximos anos.

"Agora estou com medo de estar aqui e não posso me sentir segura em nenhuma cidade, sempre esperando estar cercada por russos. Então agora quero estar em outro país. Mas não consigo imaginar meu futuro sem a Ucrânia. Acredito na minha terra e farei de tudo para que ela floresça novamente."

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** João Vitor Revedilho é jornalista, com especialidade em política e economia. Trabalhou na TV Clube, afiliada da Rede Bandeirantes em Ribeirão Preto (SP), e na CBN Ribeirão. Se formou em cursos ligado à Rádio e TV, Políticas Públicas e Jornalismo Investigativo.

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