Míssil russo ataca praça central de Kharkiv
Reprodução/Ansa
Míssil russo ataca praça central de Kharkiv

O desespero de quem tenta sair da Ucrânia após o início da ofensiva militar da Rússia, que começou no último dia 24, se equipara ao de quem tem parentes e amigos no país e daqui do Brasil, pouco podem fazer.

Casada com um ucraniano morando em São Paulo, Luciana Cosin Uzhyk faz contato com os sogros Iryna e Sergey diariamente na cidade de Kharkiv, segunda maior da Ucrânia e um dos atuais alvos dos russos. Aos 56 anos, ele não pode deixar o país por conta da Lei Marcial, que prevê que todos os homens entre 18 e 60 anos devem obrigatoriamente permanecer no país e ficar de prontidão para a guerra.

"Em um primeiro momento eles não acreditavam que tudo ia tomar essa proporção, acharam melhor não vir [para o Brasil]. Acreditavam em um acordo, achavam que não tinha razão para uma guerra. No outro dia, a lei entrou em vigor. Meu sogro não pode sair, e minha sogra está com medo. Ela não quer deixar o meu sogro, ela acha que está abandonando ele, e que se ele tiver que ir para a guerra e ela não estiver lá, não vai ter quem cuide dele", conta.

Outro fato que agrava a situação dos ucranianos é a distância da fronteira - a cidade fica a mais de 1.000 quilômetros dos limites com ta Polônia, por exemplo, por onde os brasileiros têm tentado sair.

"Ela teria que fazer uma viagem de trem até Lviv, que geralmente, demora 15 horas. Depois dessa viagem, pegar outro trem até a fronteira com a Polônia ou a Hungria, onde está mais tranquilo, acho que umas seis sete horas. Além das filas, o trem parado por horas. Em um cenário bom ela faria essa travessia em dois dias. Se ela fosse pela Polônia, quase quatro dias. A gente está falando de uma pessoa de 60 anos de idade, de um país que não é tropical igual o nosso. As noites estão batendo -5ºC, não tem onde se abrigar. As pessoas ficam na rua, tem que levar a própria comida, e não tem onde armazenar. Não tem como ir até uma lanchonete e comprar", relata.

"Não é simples. Ela sozinha, fazendo tudo isso, é muito difícil. Meu sogro pensou em ir com ela até Lviv, mais perto da fronteira, para atravessar caso venha a liberação. Mas agora há uma nova lei que diz que homens nessa faixa etária precisam se alistar em até 24h no exército. Então repensamos que não era o momento", completa.

O medo e a impotência diante da situação transformaram a angústia de Luciana em dores físicas, das quais ela não se livra, dia após dia, há uma semana.

"Dói o corpo, é uma sensação de impotência. Eles são meus sogros, mas são 12 anos na família, é como se fossem meus pais. Já pensei em medidas extremas, já tive brigas em casa. Queria pegar um avião e ir até lá para encontrar a minha sogra, mas fui barrada pela minha família inteira. Eles dizem que não adianta entrar em um país em guerra e deixar os meus filhos órfãos. É um sentimento que eu acho que nunca imaginei ter na minha vida, nem nos meus piores pesadelos eu vivi o que estou vivendo nos últimos dias."

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Sem luz, os sogros de Luciana passam o dia na casa da mãe de Sergey, que tem 80 anos. À noite, retornam ao apartamento.

"Fica a 700 metros da casa dos meus sogros, antes do entardecer eles voltam para casa e dormem no apartamento. Esse trajeto dura 10 minutos, só que é um trajeto de muito medo. A cidade está sendo sobrevoada por helicópteros e aviões. Ninguém sabe quando e onde vai cair o míssil."

Ajuda da embaixada

Como os sogros são ucranianos, Luciana afirma que a Embaixada Brasileira pouco pode fazer. Ela, no entanto, conta que o atendimento acolhe as famílias.

"Em um primeiro momento, o objetivo é tirar e dar auxilio para os brasileiros que estão lá. Eles pediram para entrar no canal de comunicação do Telegram, onde colocam os horários dos trens, rotas mais fáceis. Eu não tenho apoio direto, mas não fui dispensada em momento algum. Eles falaram que após resolver o problema dos brasileiros, eles vão avaliar todos os casos, mas é um momento difícil até para a embaixada, porque eles não estavam estruturados para isso."

O Consulado, por sua vez, pediu para que eles aguardem. "No momento, a orientação é sair de lá a pé, se for mulher, criança ou idoso. Se for homem, esperar. Se estiver em zona de guerra, é para ficar escondido em bunkers, lugares com maior segurança. Volto a falar: não sei se é a melhor coisa, mas é o que a gente tem. Pelo menos cada vez que ligo, os funcionários atendem e tentam nos acalmar, falando que num futuro próximo, vão pegar essas demandas."

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** Filha da periferia que nasceu para contar histórias. Denise Bonfim é jornalista e apaixonada por futebol. No iG, escreve sobre saúde, política e cotidiano.

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