Acuado por uma avassaladora invasão russa, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, pediu negociações ao Kremlin em dois pronunciamentos diferentes nesta sexta-feira. Em um deles, o líder ucraniano afirmou que seu país pode adotar um “status neutro” — o que, na prática, significaria o abandono da ambição de entrar na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos.
Em um discurso na televisão logo após a meia-noite de quinta-feira em Kiev — poucas horas antes, portanto, do começo do ataque à capital, desencadeado às 4h locais desta sexta— Zelensky disse estar disposto a negociar sobre qualquer assunto:
"Não temos medo de falar sobre nada. Sobre garantias de segurança para nosso país. Não temos medo de falar sobre o status neutro, e não estamos na Otan no momento", afirmou, antes de ressaltar que essa condição tornaria seu país vulnerável a futuras agressões. "Mas que garantias e, mais importante, quais países específicos nos dariam [garantias]?".
Um país neutro é um Estado que se mantém neutro em relação a conflitos e evita entrar em alianças militares como a Otan. O termo, no entanto, é ambíguo, e diferentes países interpretam a neutralidade de forma distinta.
Nem todos os países neutros evitam qualquer aliança estrangeira, pois Áustria, Irlanda, Finlândia e Suécia, que se descrevem dessa maneira, participam de uma aliança política na União Europeia e integram forças ativas de manutenção da paz da ONU.
Em outro pronunciamento na tarde de sexta-feira em Kiev, em uma mensagem de vídeo divulgada na internet, o presidente ucraniano pediu negociações, desta vez sem citar o status neutro:
"Eu quero mais uma vez fazer um apelo ao presidente da Federação Russa. Vamos sentar à mesa de negociações e parar as mortes".
Assim como ocorre com frequência desde o início da crise, o Kremlin respondeu de forma ambígua, com mensagens sinalizando em direções opostas.
Primeiro, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o presidente Vladimir Putin considera a declaração de Zelesnky “um movimento numa direção positiva” e prometeu “analisá-lo”.
Minutos depois, no entanto, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que a Ucrânia “perdeu a oportunidade das negociações de segurança” e está “simplesmente mentindo” ao mostrar disposição para discutir um status neutro.
"O presidente Zelensky não disse a verdade, ele simplesmente os enganou", disse Lavrov. "Zelensky está mentindo quando diz querer discutir o status neutro da Ucrânia. Ele perdeu a oportunidade das negociações de segurança".
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Lavrov afirmou que a diplomacia só terá lugar quando a Ucrânia depuser armas — isto é, render-se.
"Estamos prontos para negociações, a qualquer momento, assim que as Forças Armadas ucranianas ouvirem nosso chamado e depuserem as armas", disse o chanceler. "Ninguém irá atacá-los, ninguém irá feri-los, poderão voltar para suas famílias".
Há meses, Moscou exige garantias de que a Ucrânia jamais entre para a Otan — o que é um objetivo do país declarado em sua Constituição — por receio de que a aliança militar instale tropas e armas em território ucraniano, vizinho ao russo.
A Rússia lançou sua invasão por terra, ar e mar na quinta-feira após uma declaração de guerra do presidente Vladimir Putin, no maior ataque lançado por um Estado a outro na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, terminada em 1945.
Em seus dois pronunciamentos, Zelensky criticou os países ocidentais, que, em sua opinião, não fazem o bastante para defender a Ucrânia.
No primeiro pronunciamento, o presidente disse que conversou com muitos líderes ocidentais, acrescentando que perguntou a alguns se eles admitiriam a Ucrânia na Otan.
"Todo mundo está com medo. Eles não respondem", disse ele. "Mas não temos medo. Não temos medo de nada. Não temos medo de defender nosso país. Não temos medo da Rússia".
A ofensiva russa avança rapidamente, e o líder ucraniano acusou Moscou de atacar alvos civis:
"Eles estão matando pessoas e transformando cidades em alvos militares", disse. "Isso é uma maldade e nunca será perdoado".
Já o chanceler russo também disse que Moscou não queria que "neonazistas" governassem a Ucrânia, uma mentira que tem sido propagada pelo Kremlin desde a invasão — Zelensky é judeu.