O governo dos EUA voltou nesta quinta-feira a elevar o tom sobre a suposta "iminência" de uma invasão militar da Rússia à Ucrânia, rejeitando as alegações do Kremlin de que já está retirando suas forças de áreas próximas às fronteiras ucranianas.
Por sua vez, Moscou expulsou o número dois da embaixada americana, por razões ainda não esclarecidas, e entregou sua tréplica às respostas de Washington às demandas de segurança que apresentou em dezembro. Na tréplica, o governo de Vladimir Putin diz que as posições americanas não foram construtivas e sinaliza com retaliações "técnico-militares". Ao mesmo tempo, volta a negar ter planos de entrar em território ucraniano.
Na abertura de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, a embaixadora dos EUA, Linda Thomas-Greenfield, apontou que, no momento, o objetivo de seu governo é "entender a gravidade da situação" em solo, e verificar se as alegações de que as tropas russas estão recuando são verdadeiras.
— Nossas evidências apontam que a Rússia está caminhando para uma invasão iminente — declarou ela.
O alerta foi replicado pelo presidente americano, Joe Biden: a repórteres na Casa Branca, ele disse que "há todos os indícios de que estão [os russos] preparados para entrar na Ucrânia", e que não tinha planos de conversar novamente com o presidente russo, Vladimir Putin.
— Minha impressão é a de que isso [invasão] vai acontecer nos próximos dias — declarou Biden, que classificou o risco de invasão como "muito alto".
Também no Conselho de Segurança, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que o momento atual põe em risco a segurança e a vida de milhões de pessoas na Ucrânia, e rejeitou as declarações da Rússia de que parte de suas forças estariam retornando às bases. Ele acusou Moscou de tentar "fabricar" um motivo para justificar um eventual ataque, e apontou que a imprensa russa está divulgando informações relacionadas ao conflito que considera serem falsas.
Blinken afirmou que Moscou já delimitou os alvos de uma eventual invasão, e que eles incluiriam a capital, Kiev. Ele ainda revelou ter proposto uma reunião presencial ao chanceler russo, Sergei Lavrov, na próxima semana, e defendeu a diplomacia como ferramenta para resolver a crise.
— [Se busca a paz], o governo russo deveria anunciar hoje que não invadirá a Ucrânia — declarou.
A reunião do Conselho de Segurança foi convocada para discutir os Acordos de Minsk, aprovados em 2015, que tinham o objetivo de pôr fim à guerra no Leste da Ucrânia, travada entre o governo local e separatistas pró-Rússia desde 2014. Os acordos nunca chegaram a ser complementamente implementados.
Outro a questionar os relatos de um recuo militar da Rússia foi o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin. Ele citou relatos de que os russos estariam aumentando seus estoques de sangue e posicionando forças mais perto das fronteiras.
— Eu era um soldado há pouco tempo. Eu sei, em primeira mão, que você não faz esse tipo de coisa sem razão — afirmou o secretário, em visita a Bruxelas. — E você, certamente, não faz isso se está se preparando para ir para casa.
Também em Bruxelas, onde liderou uma reunião de ministros da Defesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o secretário-geral da aliança militar ocidental, Jens Stoltenberg, também disse ver sinais de um ataque "a qualquer momento".
— Eles têm tropas em número suficiente e a capacidade para lançar uma invasão de grande escala contra a Ucrânia em um prazo curto, ou mesmo sem um alerta prévio — afirmou Stoltenberg, em entrevista coletiva. — E é isso que faz a situação tão perigosa.
Às voltas com acusações de que estaria posicionando mais de 150 mil militares, segundo relatos dos EUA, para realizar uma invasão à Ucrânia, a Rússia vem rejeitando ter planos de ataque, e credita as acusações a uma campanha internacional contra seu país. Ao mesmo tempo, deixa claro que a situação está relacionada às suas posições sobre a segurança no continente europeu, centradas na expansão da Otan rumo às suas fronteiras.
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No final do ano passado, o presidente Vladimir Putin apresentou uma série de demandas, em especial à Otan, nas quais exige a retirada das forças militares da aliança de países do Leste europeu, uma maior participação de Moscou em processos de decisão no cenário europeu e um veto à entrada da Ucrânia na aliança. Até o momento, não há qualquer disposição dos países da Otan em aceitar tais demandas, mas os dois lados mantêm aberto canais de diálogo, seja através de reuniões, seja através de cartas.
Embaixador adjunto expulso
Dentro dessa negociação, a Rússia entregou aos EUA nesta quinta-feira uma tréplica sobre suas propostas de segurança — Washington e a Otan haviam respondido à carta inicial russa em janeiro, e Moscou declarou agora, segundo a agência Interfax, que a resposta dos americanos não foi construtiva. A mensagem também repetiu uma ameaça feita por Putin ainda no final do ano passado: o uso de "medidas técnico-militares" no caso de um fracasso diplomático.
"Na ausência da disposição do lado americano para concordar com garantias firmes e juridicamente vinculantes para garantir nossa segurança por parte dos Estados Unidos e de seus aliados, a Rússia será forçada a responder, inclusive por meio da implementação de medidas de natureza técnico-militar", diz a mensagem.
O texto ainda acusa os EUA e países da Otan de "ignorarem" as demandas russas, e põe em dúvida o compromisso das nações ocidentais em buscar uma saída diplomática para o impasse. Ao mesmo tempo em que critica o reforço das tropas da aliança no Leste Europeu, a Rússia volta a negar ter planos de invadir a Ucrânia
"Não há uma 'invasão russa' da Ucrânia, que os EUA e seus aliados declaram desde o outono passado, não está nos planos", afirma a tréplica, dizendo que informações sobre uma eventual guerra são uma forma de "pressionar e desvalorizar" as demandas de segurança russas.
Mas a resposta traz, pela primeira vez, uma disposição russa para discutir sistemas de controle dos arsenais de mísseis na Europa — em 2019, os EUA deixaram um acordo sobre mísseis nucleares de curto e médio alcance, que ainda não foi substituído por outro texto.
Expulsão de diplomata
Quase ao mesmo tempo em que o embaixador americano em Moscou recebia a resposta russa, o Kremlin anunciava a expulsão do embaixador-adjunto dos EUA, Bart Gorman. De acordo com o porta-voz da representação diplomática, Jason Rebholtz, ele tinha um visto diplomático válido, e não foi dada qualquer justificativa para a ação. Em entrevista à agência russa RIA Novosti, Rebholtz declarou que a medida representa "mais um passo da escalada".
O Departamento de Estado confirmou a expulsão, e declarou que "estuda uma resposta".
— Nós exigimos que a Rússia ponha fim às expulsões sem fundamento de diplomatas americanos — declarou um porta-voz à AFP. O diplomata deixou a Rússia na semana passada, disse um representante do departamento à Reuters.
Não houve comentário por parte do Ministério das Relações Exteriores russo.
Mais cedo, integrantes do Kremlin anunciaram o início de uma nova etapa da retirada de militares da Crimeia, península anexada pela Rússia em 2014. Contudo, o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou que o processo de retorno das tropas às suas bases de origem pode levar mais algum tempo.
— O Ministério da Defesa disse que algumas fases dos exercícios militares estão chegando ao fim, e, assim que isso ocorrer, as unidades retornarão às suas bases permanentes — declarou Peskov, dizendo não ser possível "simplesmente colocar todos em aviões e sair voando", e apontando a existência de um calendário para as movimentações.
Os representantes russos também rejeitaram as acusações feitas pelos EUA de que haveria um aumento da presença russa nas fronteiras ucranianas — na noite de quarta-feira, a Casa Branca afirmou que mais de sete mil militares chegaram a posições próximas à Ucrânia —, e até ironizaram relatos, publicados pelo site Politico, de que uma suposta invasão ocorreria após o dia 20 de fevereiro, quando termina a Olimpíada de Inverno de Pequim.