O Brasil, que já foi visto como um modelo de diplomacia em todo mundo, pode ser obrigado a se envolver no conflito que envolve Rússia e Ucrânia. A tensão não é novidade, e ganhou mais capítulos com o temor de que o país governado por Putin invada o vizinho como forma de reação a uma eventual entrada na Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
A avaliação é de Larlecianne Piccolli, doutora em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS e especialista em Rússia. O principal motivo seria a posição provisória do país no Conselho de Segurança da ONU, oficializada em 1º de janeiro deste ano.
"O Brasil pode ser pressionado a tomar um partido, ainda mais agora sendo membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU. Em breve, podemos ter uma questão internacional para que o Brasil abandone essa diplomacia de não interferência, de sempre tencionar para uma resolução pacífica. O Brasil talvez seria pressionado para se posicionar", afirma.
O momento é delicado. De um lado, os Estados Unidos acusam a Rússia de reunir tropas para invadir o território da Ucrânia. De outro, Putin nega a intenção, embora as tropas do país já estejam nas regiões da fronteira com mais de 100 mil soldados. O presidente russo quer que a Otan não aceite o vizinho como membro da aliança militar.
O presidente Bolsonaro havia marcado uma viagem para a Rússia na próxima semana. Pelas ações adotadas pela diplomacia brasileira desde o início da gestão, Bernardo Kocher, professor de História Contemporânea e doutor pela UFF, afirma que o país pode "sair queimado da história".
"O Brasil, em tese, teria posição ótima para não se envolver e participar, mas na medida em que o governo atual se aproximou dos Estados Unidos, e depois com a vitória de Joe Biden, se distanciou, a política externa do Brasil é errática, praticamente não existe. Não existe coerência, ninguém sabe o que vai fazer, e a chance de sair queimado dessa história é muito grande, tanto para um lado quanto pro outro", avalia.
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"Nessas horas, quem realmente está envolvido exige lealdade e solidariedade. O Brasil não teria motivo nenhum para ser contra Rússia, contra Ucrânia, nem contra os EUA. Uma posição de paz seria muito mais construtiva, mas do jeito que está, a gente tem que temer tudo. O Brasil não tem posição nenhuma que seja coerente. Não dá para entender exatamente o que o governo quer fazer".
Kocher afirma o país está isolado por opção do governo, e que esse isolamento é "profundo". A médio e longo prazo, no entanto, ter uma opção ponderada, auxiliando em uma negociação entre as partes, pode fazer com que o Brasil não saia "chamuscado". Ele também acredita que a estratégia norte-americana adotada será de criar um forte e permanente clima de tensão na fronteira entre Rússia e Ucrânia.
"Os Estados Unidos estão tensionando para tentar fazer a Rússia cometer um erro que dê amparo, justificativa e legitimidade da narrativa para colocar mísseis na Ucrânia. Por isso não acredito em guerra - seria tão devastador, não acho que é um cálculo concreto. Pode ser que se perca o controle, alguém atire primeiro e o outro reaja. Pode ser que eles queiram tensionar a Rússia, como na Guerra Fria, e ali, a certa altura dos anos 1980, a URSS caiu. É um jogo de tensões."
Piccolli lembra que, nos seus posicionamentos oficiais, o Kremelin afirmou que não vai invadir a Ucrânia, embora autoridades dos Estados Unidos e da Otan tenham afirmado nesta sexta-feira (11) que o ataque é iminente.
"Essa iminência está posta desde o início do ano. A Rússia move as suas tropas dentro do seu território, mas segue reiterando que não há intenção nenhuma de invadir a Ucrânia, e que ainda há espaço na agenda de negociação, mas da mesma forma, os EUA também se movimentam, aumentando o contingente na Polônia. O Kremelin está preparando uma resposta para Otan e para Washington, mas ainda se fala de que há necessidade de buscar garantias abrangentes e vinculadas à segurança da Rússia. É difícil dizer se vai acontecer ou não [uma guerra]. Existe um cenário posto de tensão na região, mas também o que o governo russo vem afirmando é que não vão invadir. No entanto, em contrapartida, eles querem que se chegue a um acordo na mesa de negociações que seja vantajoso para eles também, e não só para o ocidente."