Um dossiê assinado por mais de cem acadêmicos e ativistas de ONGs pede para que o governo Biden coloque como prioridade no relacionamento com o Brasil suspender a importação de madeira, soja e carne que estejam ligadas ao desmatamento no país. Os autores do documento dizem ter entregado o dossiê diretamente a Juan González, diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, órgão ligado à Casa Branca.
O texto, antecipado pela BBC Brasil, pede para que a suspensão da importação seja feita “a não ser que possa ser determinado que essas importações não estejam ligadas ao desmatamento ou a abusos de direitos humanos”. Além da “prioridade número 1”, o relatório traz recomendações de políticas públicas para “proteger o povo do Brasil e o meio ambiente de mais prejuízos”.
O documento lista seis ações que o governo deve adotar: congelar negociações de comércio bilateral com o Brasil, retirar o atual apoio à entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), suspender o auxílio e cooperação militar enquanto não houver “revisão rigorosa nas forças de segurança”, denunciar casos de assassinato ou ameaça de defensores de direitos humanos e ambientais, avaliar a estratégia de investimento em infraestrutura no Brasil e investigar o crime organizado ligado a crimes ambientais no país.
Além de professores das universidades de Harvard, Brown, Columbia, Berkeley e Princeton, assinam também o documento representantes de Organizações Não Governamentais como Greenpeace e Amazon Watch. O dossiê é de iniciativa da U.S. Network for Democracy in Brazil, rede de ativistas no exterior que atua sobre temas relacionados ao Brasil há dois anos.
Ao menos um congressista americano, o deputado do partido Democrata Raúl Grijalva, teve acesso ao documento. O deputado foi o responsável por apresentar uma resolução sobre direitos humanos, democracia e meio ambiente no Brasil. O escritório do deputado confirmou à reportagem que revisou e analisou as recomendações enviadas ao governo Biden.
O relatório aborda dez temas: democracia e Estado de Direito; direitos indígenas, mudanças climáticas e desmatamento; política econômica; centro de lançamento de Alcântara e auxílio militar dos EUA; direitos humanos: grupos historicamente marginalizados; violência estatal e brutalidade policial; sistema de saúde pública; Covid-19; liberdade religiosa e trabalho.
Com relação à Amazônia, os autores pedem para que Biden se paute pelas demandas das ONGs que trabalham regionalmente com indígenas, quilombolas, pequenos proprietários de terra e ambientalistas.
Essas demandas incluem uma moratória sobre o desmatamento por pelo menos cinco anos, com exceção do desmatamento para a agricultura de subsistência e práticas de populações tradicionais, agricultura familiar e questões de segurança nacional; aumento de penalidades por crimes ambientais; retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal; demarcação de terras indígenas e quilombolas e proteção de unidades de conservação restauração da autoridade do IBAMA, ICMBio e FUNAI.
Em outubro do ano passado, antes das eleições, Juan González, representante do governo Biden que recebeu a carta, escreveu em sua página no Twitter que “qualquer pessoa, no Brasil ou em qualquer lugar, que pense que pode avançar um relacionamento ambicioso com os Estados Unidos ignorando temas importantes como mudança do clima, democracia e direitos humanos claramente não tem escutado o que Joe Biden tem dito na campanha”.
O texto afirma que a recente “relação especial” entre Brasil e Estados Unidos, expressa em mais “relações comerciais e ajuda militar possibilitou violações de direitos humanos e do meio ambiente e protegeu Bolsonaro de consequências internacionais”. Os autores pedem para que o governo americano priorize “respeito aos direitos humanos e o estado de direito” no relacionamento com o Brasil.
"Biden já deu a entender que temas como o meio ambiente e direitos civis serão centrais na sua administração", disse Fábio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros na Universidade de Oklahoma e um dos autores do documento. "O relatório demonstra que o governo Bolsonaro milita contra essas agendas doméstica e internacionalmente. Espero que o novo presidente dos EUA mobilize os instrumentos diplomáticos existentes para forçar um reposicionamento do país".