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Queda de Evo traz importantes lições

Guardam lições importantes para a política praticada hoje no Brasil a renúncia do indígena aimará Evo Morales à Presidência da Bolívia. Evo diz que renunciou para pacificar o país, convulcionado desde o mês passado a partir da fraude na apuração dos votos das eleições ao Palácio Quemado. Pacificação coisa nenhuma. Renunciou, no domingo 10, porque não tinha outra saída: estava emparedado por manifestações populares, pela oposição, polícia e Forças Armadas.

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Abandonou assim o sonho de um quarto mandato consecutivo, o que nos ensina que a conscientização social avança e que já não há espaço na América do Sul para totalitarismos oportunistas. Na terça-feira, o país vivia a insólita situação de não ter no comando: o vice-presidente e os presidentes do Senado e da Câmara também haviam renunciado.

Pela Constituição, o senador que ocupa a segunda vice-presidência pode então assumir, desde que a sessão que ratifique seu nome tenha quórum. Quórum não houve, mas mesmo assim a senadora Jeanine Añez, numa rápida manobra, declarou-se presidente interina. Foi aceita e reconhecida por alguns países, entre eles o Brasil. Ela é ferrenha adversária de Morales e se tornou a segunda mulher mandatária — a primeira foi Lidia Gueiler, também interina, entre 1979 e 1980.

O desejo de perpetuação no poder acomete demais governantes latino-americanos, Brasil incluído. Vale recordar, por exemplo, que Jair Bolsonaro atravessou a campanha falando em não se candidatar à reeleição. Pisou o Planato e deixou claro que palavras de palanque são feito vento: ele quer ser reeleito. Até as pedras do Planalto sabem que, por sua vontade, se manteria no poder. À política, no entanto, cai bem o velho ditado “quem tudo quer nada tem”.

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Não fosse o apego doentio de Evo ao poder, e ele teria entrado para a história como o primeiro presidente a conseguir o inimaginável: dar à Bolívia a estabilidade econômica com crescimento de 5% ao ano. Sua queda mostra que já não basta o bom desempenho nessa área para se tornar caudilho. Hoje, na Bolívia, os centros urbanos se firmaram socialmente e a decorrência é a reivindicação de princípios democráticos.

Pode-se dizer que Evo, asilado politicamente no México, começou a cair em 2009. Naquele ano reformou-se a Constituição e ficou permitida somente uma reeleição. Ele, que assumira em 2005, já estava cumprindo dois mandatos, mas argumentou que tinha direito a mais um, porque pela nova regra o seu segundo se tornara uma espécie de primeiro. A Corte Constitucional acatou o pleito.

Em 2016, Evo convocou um referendo para decidir se tinha ou não direito ao quarto mandato. A população disse-lhe que não, mas o que importa a vontade popular? Novamente seus paus-mandados da Corte Constitucional deram-lhe razão. Chegamos, assim, a outrubro 2019, com Evo e seu opositor, Carlos Mesa, disputando a Presidência. Na apuração pelas planilhas estava dando segundo turno.

De repente, o país ficou sem energia elétrica e passou-se à contagem voto a voto. Voltou a luz. E não é que Evo já ganhava com folga suficente para ser declarado presidente? O povo reagiu, pediu auditoria da OEA, que no domingo pela manhã declarou haver indícios de fraude e recomendou outra eleição.

Por que voltar à cédula de papel?

Evo anuiu feito alguém que se arrepende ao ser pego em flagrante delito. Tarde demais. O líder do setor radical da oposição, o católico fervoroso Luis Fernando Camacho, já era senhor da situação. Após quase catorze anos no poder, Evo foi dele apeado. Sempre defendeu a cédula de papel porque é mais fácil a burla. Causou surpresa geral (ou não causou tanta supresa assim) que Bolsonaro tenha imediatamente pedido o retorno do Brasil a esse tipo de voto.

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Nosso País é referência mundial em segurança eleitoral por meio de urnas eletrônicas. Por que agora vem alguém defender métodos vulneráveis como a cédula de papel? A cada um é dado o direito de responder tal questão.

Não fosse o apego doentio de Evo Morales ao poder, ele poderia ter entrado para história como o primeiro presidente capaz de estabilizar a economia da Bolívia, dando-lhe um crescimento de 5% ao ano

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