Em mais um sinal de que pretende se afastar em definitivo do conflito na Síria , o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou nesta quarta-feira (16) que a recente invasão da Turquia à Síria, avançando contra áreas dominadas pelos curdos, “não tem a ver” com seu país.
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"Nossos soldados não estão sob ameaça, como eles não deveriam estar, enquanto dois países brigam por uma terra que não nos diz respeito. Os curdos estão mais seguros agora. Os curdos sabem como lutar e, como disse, não são anjos", afirmou Trump , ao lado do presidente italiano, Sergio Mattarella .
O republicano ressaltou ainda que o grupo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, em curdo), que age na Turquia e é aliado dos curdos na Síria, "é pior do que o Estado Islâmico".
O presidente estadunidense reconheceu ter financiado as milícias curdas durante a batalha contra o grupo autointitulado Estado Islâmico , e que elas “foram bem quando lutaram conosco, mas não foram tão bem quando não lutaram conosco”. Ele voltou a defender a decisão de retirar suas tropas de áreas de fronteira com a Turquia, medida que foi amplamente criticada dentro e fora dos EUA e vista como um sinal verde para que a ofensiva turca fosse iniciada.
Ao falar sobre o aumento das forças russas na área, uma região antes sob influência norte-americana, Trump disse que, por ele, “tudo bem”.
"Se a Rússia quiser se envolver com a Síria, isso é com eles. Eles (sírios) têm uma questão com a Turquia, um problema na fronteira, não é nossa fronteira. Não devemos perder vidas por causa disso", afirmou, antes de chamar a situação de “estrategicamente brilhante ” para os Estados Unidos. "Há muita areia ali, muita areia com a qual eles podem brincar".
A Rússia não demorou para preencher o vácuo deixado pela saída dos americanos. Apesar de não entrar em combates diretos com as forças turcas, Moscou mantém operações de patrulha e ações contra possíveis focos de resistência do Estado Islâmico.
Além dos russos, o Exército da Síria, sob comando de Bashar al- Assad , também está na área, prestando apoio aos curdos para evitar o avanço da Turquia. Os soldados sírios já estão em cidades como Manbij e Kobane, conhecida pelo violento combate entre forças curdas e do Estado Islâmico entre 2014 e 2015.
Essa presença só foi possível graças a um pacto firmado com mediação da Rússia, e que, para muitos analistas, pode acabar sendo um dos primeiros passos para pôr um fim definitivo não apenas à invasão turca, mas aos oito anos de conflito na Síria . O preço a pagar pelos curdos, segundo analistas, pode ser a perda da autonomia regional, no caso do restabelecimento do domínio de Damasco na área.
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Turquia não cede à pressão
O anúncio de retirar as forças americanas da fronteira, feito no começo do mês, foi alvo de pesadas críticas até mesmo dentro do Partido Republicano. O senador republicano Lindsey Graham, por exemplo, disse temer que este seja um "desastre completo de segurança nacional", e dizendo torcer para que Trump mude de ideia. O também republicano deputado John Shimkus disse que a medida foi uma "facada nas costas de nossos aliados".
Os militares davam apoio às milícias curdas nas áreas de fronteira com a Turquia, inibindo uma possível ação de Ancara, que vê esses grupos como terroristas.
Sem os EUA, foi uma questão de dias até que os militares turcos avançassem, servindo como primeira etapa de um plano anterior, revelado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan no mês passado, na Assembleia Geral da ONU . Na sua visão, seria delimitada uma faixa se estenderia por mais de 400 km ao longo da fronteira e adentrando até 30 km em território sírio, onde seriam alocados parte dos 3,6 milhões de refugiados hoje vivendo na Turquia.
Porém a invasão e a realocação não foram bem recebidas mundo afora, obtendo elogios apenas do Paquistão. Até mesmo países próximos de Ancara, como o Irã e a própria Rússia , pediram que os planos fossem abandonados e que as tropas regressassem para a Turquia, mas os argumentos foram desconsiderados por Erdogan.
Já nações ocidentais, como os países europeus e os EUA, foram um pouco mais incisivos. No caso americano, sanções foram impostas contra ministros e o setor de aço, além da suspensão das conversas em torno de um acordo bilateral.
Erdogan, porém, não pareceu intimidado, repetindo que "nunca irá negociar com terroristas" e um cessar-fogo "não é uma opção".
"Vamos continuar nossa luta (...) até que alcance os objetivos que estabelecemos", disse Erdogan, anunciando que as tropas turcas já tinham capturado mil quilômetros quadrados de território sírio. A chancelaria também revelou estar trabalhando em uma retaliação aos EUA, sem precisar quais seriam as medidas aplicadas.
Apesar das ameaças, o vice-presidente, Mike Pence , e o secretário de Estado, Mike Pompeo , devem se encontrar com o presidente turco nesta quinta-feira, para tentar convencê-lo a suspender a ofensiva. Horas antes dos dois embarcarem, porém, Erdogan disse que não iria recebê-los, mudando de ideia pouco depois. Não se sabe qual argumento o convenceu, mas uma fala de Trump, ainda nesta quarta-feira, pode dar uma pista.
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"As novas sanções contra a Turquia serão devastadoras se a reunião com Pence e Pompeo não tiver sucesso", revelou Trump .