Sob a alegação de que está passando pela pior crise orçamentária em mais de uma década, a Organização das Nações Unidas (ONU) enviou uma carta ao Brasil e a outros países que não estão em dia com as contribuições fazendo um apelo para que honrem suas dívidas.
No texto, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirma que a incerteza financeira ameaça a capacidade de o organismo dar continuidade a ações programadas com os Estados membros, como a manutenção de missões de paz, a realização de viagens oficiais, a promoção de eventos e até o pagamento de pessoal.
Segundo técnicos da área econômica, o Brasil deve cerca de R$ 5 bilhões aos organismos internacionais em geral, dos quais R$ 592 milhões são débitos com a ONU . A situação de inadimplência não começou no governo atual, e já vem de anos anteriores.
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Em resposta ao GLOBO, o Ministério da Economia ressaltou que as contribuições ao sistema das Nações Unidas são compromissos internacionais do Estado brasileiro, formalmente internalizados pelo Congresso Nacional e promulgados pelo presidente da República. “Portanto, seguramente esse pagamento será oportunamente efetuado”, informou a pasta.
Ainda de acordo com o ministério, os recursos para pagamentos de organismos internacionais têm origem no Orçamento Geral da União. Assim, sua liberação depende do montante da arrecadação tributária ao longo do ano.
Na carta, à qual O GLOBO teve acesso, Guterres enfatiza que a ONU recebeu, em janeiro deste ano, quase US$ 2 bilhões dos associados, mas destacou que as necessidades reais de liquidez em 2019 são bem maiores. Segundo ele, só no terceiro trimestre, o valor das contribuições que entraram no caixa das Nações Unidas sofreu uma queda de 70% — o que resultaria em um déficit adicional superior a US$ 230 milhões.
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Guterres informou que o organismo tomou uma série de medidas significativas para alinhar despesas com entradas de caixa projetadas. Porém, apesar desses esforços, a crise é perpetuada com um ingresso menor de recursos. Ele acrescentou que, se nada for feito, o déficit atingirá a cifra de US$ 600 milhões em outubro.
“Isso está exacerbando uma situação já difícil. Os mecanismos de liquidez estão falhando conosco. Se não tivéssemos contido despesas globalmente desde o início deste ano — ajustando as contratações e adiando as despesas não posteriores para se adaptar à liquidez fluxo — não teríamos liquidez para apoiar a abertura da Assembleia Geral”, disse ele, referindo-se à reunião anual da ONU em Nova York, no mês passado, da qual participou, com o discurso de abertura, o presidente Jair Bolsonaro .
Na carta de três páginas, o secretário-geral relatou que, em julho deste ano, a ONU recorreu a empréstimos do Fundo de Capital de Giro, passando ao mês seguinte a tirar dinheiro emprestado da Conta Especial . No fim de setembro, foi preciso contrair novas dívidas para manter as missões de paz — dinheiro que deverá faltar em outubro. O quadro se agravará em novembro, quando não deverá haver dinheiro suficiente para cobrir as folhas de pagamento.
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“Estou entrando em contato com os Estados-membros com um pedido urgente de pagar [as dívidas], a fim de minimizar interrupções em nossas operações e garantir que possamos cumprir nossas obrigações contratuais com funcionários e fornecedores”, salientou Guterres.
Ele relatou ter limitado as viagens oficiais que forem de fato essenciais, adiado a compra de bens e serviços e implementado economia de energia. A partir da semana que vem, serão suspensos eventos que já haviam sido reservados para o período.
“Instruí os gerentes a explorar caminhos para limitar ainda mais as despesas durante o último trimestre, incluindo o adiamento de conferências e reuniões ou a busca de maneiras de reduzir despesas relacionadas ajustando os serviços. Continuaremos analisando nossas atividades para buscar melhores opções para administrar a crise de liquidez e manter todas essas medidas sob revisão periódica”, conclui o secretário-geral da ONU.