A decisão do governo de Nicolás Maduro de abandonar a nova rodada das negociações com a oposição em Barbados, no Caribe, após o aumento das sanções impostas pelos Estados
Unidos
, no começo da semana, complica mais uma vez a situação política no país caribenho. Para analistas, a saída do diálogo foi uma cartada de Maduro, que tenta pressionar a
oposição a criticar publicamente as sanções americanas. Oficialmente, o presidente venezuelano justificou sua decisão afirmando que "o chefe da delegação opositora Juan Guaidó
celebra, promove e apoia essas ações".
Guaidó, que vinha sendo criticado pela ala mais radical da oposição a Maduro
por aceitar as negociações, parece agora em uma encruzilhada. Mais de 15 horas após o anúncio, ele
não se manifestou sobre a decisão. Em vez disso, o porta-voz da delegação opositora, que já estava em Barbados, lamentou a medida: "Ficam dias afirmando que querem a paz e o
mecanismo de Oslo, mas na primeira mudança se apavoram com a possibilidade de uma verdadeira mudança política no país", escreveu o delegado Stalin González no Twitter.
Nos bastidores, há indícios de que a oposição, cada vez mais dividida, parece estar sem um plano B. "A situação está complicada para a oposição, vide o silêncio quase total que
se instalou após a saída do governo das negociações", afirma David Smilde, especialista em Venezuela do centro de estudos Escritório de Washington na América Latina (Wola, na
sigla em inglês).
"Nos últimos meses, desde que o diálogo se instalou, alguns opositores radicais vêm argumentando que negociar com Maduro seria uma traição. Eles conseguiram que os Estados
Unidos
aumentassem as sanções para atrapalhar as negociações, mas não esperavam que Maduro se retirasse", acrescenta.
Para o analista político, no entanto, o cancelamento da rodada de diálogo enfraquece a própria oposição. "O governo tem poder, dinheiro e as Forças Armadas. A oposição tem apoio
doméstico e internacional mas não tem como traduzir isso em poder. Os mais radicais queriam uma intervenção militar estrangeira, hipótese que já está descartada. Ou seja, Guaidó
era o mais interessado em negociar neste momento", diz.
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As declarações do ex-governador de Miranda, Henrique Capriles, que perdeu as eleições presidenciais contra Maduro por menos de 1% dos votos, em 2014, deixam claro a divisão
entre opositores. Em declarações a jornalistas, Capriles, considerado mais moderado, disse que que há pessoas dentro da oposição que não estão interessadas em eleições
democráticas, "porque não têm apoio suficiente para finalizar uma candidatura" — um recado à ala mais radical representada por María Corina Machado e Leopoldo López.
"Há pessoas que acreditam que são os intérpretes da verdade", disse Capriles, em referência à María Corina Machado, que vem criticando Guiadó constantemente nas redes sociais.
"Toda vez que tentamos seguir em frente, eles dinamitam a solução porque não tem apoio popular. Política não é isso", completou.
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Para a veterana jornalista venezuelana Luz Mely Reyes, uma das criadoras do site Efecto Cocuyo, a suspensão da rodada de negociações é um "respiro para o governo de Maduro", ao
mesmo tempo em que enfraquece a figura de Guaidó.
"O governo continua ganhando tempo. Enquanto isso, a oposição vê seu tempo se esvaindo. Em janeiro, devem escolher um novo presidente da Assembleia Nacional, liderada por
Guaidó, e isso implica uma nova rodada de negociações internas, que costumam começar cinco meses antes, ou seja, agora", explica ao jornal O Globo. "Pelo acordo, seria a vez dos
grupos minoritários, que já não apoiam Guaidó. Se não há ações mais duras, ou seja, a derrubada de Maduro, Maduro sai ganhando e Guaidó perdendo", complementa.
Bachelet critica sanções
Especialistas também temem que as punições dos EUA possam levar a uma crise humanitária ainda mais grave. Nesta quinta-feira (8), a alta comissária para os Direitos Humanos da
ONU, Michelle Bachelet
, afirmou, em nota, que está "profundamente preocupada com o impacto potencialmente severo sobre os direitos humanos dos venezuelanos", após a nova rodada de sanções unilaterais.
Para Bachelet, que publicou há um mês um duro informe sobre direitos humanos, as punições podem exarcebar a crise de acesso a alimentos e remédios no país. "Essas sanções são
extremamente amplas e não contêm medidas suficientes para mitigar o impacto nos sectores mais vulneráveis da população", diz a nota.
Analistas ressaltam que, como grande parte dos venezuelanos depende do governo para se alimentar, através da entrega mensal de alimentos e produtos básicos conhecidos como
“CLAP”, as punições devem afetar diretamente os mais pobres — e não funcionários do governo e a classe média que têm acesso a dólares.
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"Internamente não vejo como destravar o processo. A saída agora passa pela comunidade internacional, através da comunidade europeia ou do Grupo de Contacto, que podem tentar
interferir no processo tentando fazer Maduro voltar atrás", acredita Smilde.
Também nesta quinta-feira, o governo norueguês, que media o diálogo em Barbados, disse que mantém contato com o governo de Maduro e a oposição para possíveis novas reuniões.