Em um passo aparentemente pequeno em um país tão conservador, mas histórico em todo o mundo, o rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdelaz, aprovou, nesta terça-feira (26), um decreto que autoriza todas as mulheres do país a conduzirem automóveis .
"Eu me senti no céu quando vi essas notícias na TV!", exclamou Reem Abdullah, uma mulher saudita, quando perguntada pela reportagem do iG a respeito da nova autorização. Até ontem, Reem, assim como todas as mulheres que vivem na Arábia Saudita , precisava da ajuda de membros masculinos da família – pai, marido ou irmão – para se locomover em grandes distâncias.
"Muitas mulheres querem dirigir carros e ir para onde quiserem, sem depender de ninguém", continuou. "A Arábia foi o último país, mas finalmente nós podemos ir para o trabalho sem precisar da carona de um homem", concluiu ela.
A saudita – que revelou que tem planos de aprender a dirigir em breve – disse ainda que o próximo passo da luta pelos direitos das mulheres no país deve ser a busca pela permissão para frequentarem estádios.
Hoje, as mulheres são proibidas de frequentarem estádios em todo o país, por causa da aplicação da regra de separação entre os sexos nos espaços públicos. No entanto, na última semana, o país autorizou, pela primeira vez, que elas fossem a um estádio para um espetáculo musical. A concessão foi pontual.
A busca pelo direito de torcer pelo seu time nos estádios também foi lembrada por Asma Mohammed. Asma revelou ao iG que, embora tenha ficado muito feliz com a permissão para dirigir, ainda prefere – por questões de segurança – que outra pessoa dirija por ela.
"Minhas amigas e eu vamos amar ver mulheres dirigindo carros! O meu plano, no entanto, é aprender a dirigir apenas para casos de emergência", explicou Asma. "Nós estamos felizes com a possibilidade de podermos dirigir, como já acontece nos outros países. Queremos que as mulheres façam o que elas querem fazer", declarou.
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Além da conquista desta semana, outras restrições às pessoas do sexo feminino parecem estar sendo suavizadas no país. Em julho deste ano, ativistas dos direitos humanos comemoraram a decisão do Ministério da Educação de permitir que as garotas pratiquem esportes nas escolas públicas. Em 2015, elas passaram a poder votar e a concorrer a cargos políticos.
Apesar da segregação, mais mulheres se formam em universidades que os homens em todo o país e, hoje, elas constituem 18,6% da força de trabalho. Além disso, cerca de 91% das mulheres sauditas são alfabetizadas, um avanço nos últimos quarenta anos, embora o número ainda seja inferior ao da alfabetização masculina.
Para estudar e trabalhar, porém, toda a mulher saudita precisa da autorização do seu tutor, um homem que é escolhido para ser seu guardião legal. Esses tutores têm o poder de tomar qualquer tipo de decisão e podem dar “orientações” sobre seus comportamentos. Assim, as mulheres precisam de suas permissões inclusive para fazer viagens internacionais e casar.
Ameaça ao 'islamismo puro'
Mesmo com tais mudanças recentes, a luta pela igualdade de direito com os homens não é bem vista por boa parte das sauditas. Esses grupos de mulheres afirmam que o país é a nação mais próxima de uma "islâmica pura e ideal" e que o feminismo é uma "ameaça importada do Ocidente".
Em entrevista à reportagem, Noura Ahmed, também saudita, se posicionou com menos entusiasmo a respeito da autorização para dirigir no país e deu seu argumento a respeito do feminismo .
"Eu me sinto orgulhosa pela conquista, mas isso vai levar tempo para entrar em prática. Afinal, não é todo mundo que ficou feliz com essa decisão do rei", afirmou. "Finalmente, nós podemos dirigir, assim como acontece nos outros países. Agora essa questão pode ser encerrada por aqui".
"A igualdade entre homens e mulheres nunca foi algo pelo qual eu lutei, porque acredito que cada um dos sexos tem habilidade para um tipo de coisa", argumentou. "Nós não queremos ser comparadas aos homens", concluiu Noura.
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Se desigualdade é vista como 'pureza islâmica', o país vai bem. Afinal, de acordo com o relatório de 2013 do Fórum Econômico Mundial, a Arábia Saudita é um dos países com a maior desigualdade entre gêneros do mundo, ocupando a 127° a posição entre os 136 países pesquisados.