Este é um ano extremo no Brasil. Começou com seca e calor históricos no Sul somados a chuvas catastróficas no Sudeste. Mal chegou à metade do ano, e o Brasil chorou com a tragédia das tempestades no Nordeste. Simultaneamente, avança a sanha do desmatamento.
A bióloga Mercedes Bustamante explica que está tudo conectado e culmina em sofrimento humano. Professora titular da Universidade de Brasília (UnB), membro da Academia Brasileira de Ciências, do INCT Mudanças Climáticas e da Coalizão Ciência e Sociedade, Bustamante é referência mundial no estudo da ecologia de ecossistemas e da biodiversidade. A seguir, ela traça um cenário da crise ambiental do Brasil.
Clima
Temos redução das chuvas entremeada por tempestades devastadoras, aumento da temperatura. Os extremos climáticos, antes raros, se tornaram frequentes. É só lembrar das tragédias deste ano. Biodiversidade e clima são indissociáveis, interconectados. Se um está mal, o outro sofre. A mudança climática é um multiplicador de crises. Como disse António Guterres, secretário-geralda ONU, os relatórios sobre mudanças climáticas do IPCC são um atlas do sofrimento humano.
Perdas
A biodiversidade está em situação crítica no Brasil. Pense num bioma brasileiro e verá problemas. O desmatamento da Amazônia bate recordes seguidos. A Mata Atlântica, após anos de redução no ritmo de devastação, voltou a registrar aumento do desmatamento. O Cerrado, convertido em pastagem e plantação, é uma zona de escape para as pressões amazônicas. A Caatinga foi perdida em sua maior parte. E até o Pantanal, que estava protegido, nos últimos anos, sofreu uma catástrofe, com queimadas históricas.
Ritmo acelerado
Falhamos em acompanhar a velocidade das mudanças ambientais. Elas estão ocorrendo num ritmo maior do que o projetado. Coisas previstas para daqui a algumas décadas já ocorrem. Estudos já mostraram que partes da Amazônia passaram de absorvedores para fontes de calor. Há perda de resiliência na terra e nos oceanos.
Em pane
Serviços ambientais, como produção de água e regulação do clima, são fruto de interações complexas. Por vezes, basta que um componente deixe de existir, que todo o sistema entre em colapso. Pode ser uma espécie de planta que desaparece em função de desmatamento, uso de agrotóxicos ou elevação de temperatura. O desaparecimento desse componente pode colocar o ecossistema em outra fase e ele deixa de prestar os serviços. São coisas aparentemente menores, mas que fazem crucial diferença. Pense nos rebites de um avião. São bem pequenos, mas o avião cai sem eles.
No limite
A biodiversidade é resultado de milhões de anos de evolução, vemos os experimentos da natureza que deram certo sob determinadas condições. Há um equilíbrio delicado. Muitas espécies, como as da Amazônia, já vivem no limite da tolerância à temperatura. Mas muita gente ainda não compreendeu que limitar o aumento da temperatura global a 1,5C é o mínimo para a biodiversidade. Recifes de corais, florestas tropicais estão no limite da tolerância.
Impacto
A biodiversidade é um indicador que as coisas não estão bem. Se você pensar na qualidade de vida da maioria dos brasileiros, a destruição da Mata Atlântica (nos domínios dela vivem 70% da população do país) tem o impacto mais direto. Se o foco for a oferta de água, a conservação do Cerrado e da Amazônia é crucial.
Sob ataque
As causas da crise da biodiversidade são evidentes. Há uma avalanche de ataques ao meio ambiente no Brasil. Ataques federais, e do Congresso. Tudo isso leva a mais desmatamento, à perda de conhecimento tradicional, ao uso indiscriminado de agrotóxicos, ao branqueamento de corais, à mais poluição, à fuga de cérebros e de jovens talentos por falta de investimento em pesquisa.
Ilusão verde
Há muitas pessoas que consideram verde é sinônimo de floresta. Capoeiras (vegetação que cresce em áreas previamente desmatadas) são verdes e degradadas. Não prestam os mesmos serviços ambientais. E, depois que degradou, é muito mais difícil e caro para recuperar. O melhor é preservar.
Bioeconomia
O Brasil está atrasado em definir o que entende e planeja como bioeconomia, um conceito muito interessante, mas vago e inócuo, se deixado no campo das intenções, como agora. Não temos, por exemplo, uma legislação para bioeconomia. Países com biodiversidade que não chega a um milésimo da nossa, como Finlândia e Suécia, estão mais avançados. Na esfera federal, não existe nada na economia com foco real em sustentabilidade.
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