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Brasil aprendeu muito pouco com crises hídricas, diz especialista

Cenário no Brasil é cada vez mais desafiador, diz Guilherme Checco, coordenador de projetos do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)

Foto: Assembleia Legislativa de São Paulo
Sistema Cantareira

No dia 22 de março é celebrado o Dia Mundial da Água. Desde a Conferência Rio-92, os holofotes do mundo se voltam para a data a fim de ressaltar a importância de preservar esse recurso finito. No Brasil, a conscientização é mais do que necessária: segundo um estudo do Instituto Trata Brasil, elaborado a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o país desperdiça 39,2% da água potável captada — quantidade que abasteceria cerca de 63 milhões de brasileiros por ano. 

Em um cenário mundial de aceleração das mudanças climáticas, o risco para a segurança hídrica se torna ainda maior. No Brasil, só em 2022, as chuvas já deixaram vítimas e milhares de desabrigados em pelo menos oito estados. Os temporais ocorridos em Petrópolis , por exemplo, chamaram atenção com um saldo de mais de 230 mortos.

Em fevereiro, a ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou seu mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) . O estudo indica que um dos principais impactos das mudanças climáticas é na dinâmica das chuvas: cada vez mais teremos chuvas intensas e concentradas em curtos períodos, com secas mais longas e mais severas.

Segundo Guilherme Checco, coordenador de projetos do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), as políticas públicas no Brasil não incorporam, nos seus instrumentos de planejamento, o fato de que as dinâmicas das nossas chuvas estão mudando.

"Não é mais suficiente olhar para o retrovisor, para as séries históricas das nossas chuvas e considerar aquilo como verdade única e exclusiva", alerta Checco.

O especialista ainda cita dois pontos de atenção: o primeiro, segundo ele, é que, enquanto sociedade, ainda observamos a água pura e simplesmente como um recurso hídrico infinito. O segundo é que as políticas públicas implementadas recentemente indicam um não aprendizado com as recentes crises hídricas no Brasil.

"Água é um bem natural finito. Precisamos construir uma agenda de cuidado com a água, entendendo que ela não nasce no cano. Temos ainda um longo percurso a trilhar. Nós aprendemos muito pouco. Estamos repetindo uma mesma lógica de gestão e de construção de soluções paliativas. Não basta trazer água de outros lugares. Claro que é importante olhar para a questão da oferta da água, mas é um olhar completamente míope, que vê apenas uma das dimensões da segurança hídrica, enquanto grande parte das outras não estão sendo priorizadas. É necessário conhecer esses riscos e perceber que segurança hídrica vai muito além da oferta da água e que, portanto, precisamos agir de forma prévia, antes que o problema esteja instalado. Estamos nos preparando pouco para um cenário que já está posto e será cada vez mais desafiador", alerta.

De acordo com o coordenador de projetos do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), para melhorar a questão da segurança hídrica no Brasil, é preciso implementar uma comunicação muito clara e transparente dos tomadores de decisão para com a sociedade para com a sociedade em relação ao cenário e aos riscos.

"Essa seria a mais estrutural e fundamental. Se olharmos para a realidade, essa comunicação é muito falha. O Estado sempre está muito preocupado em acalmar as emoções quando qualquer notícia dessa natureza é veiculada, mas, na verdade, deveria ter uma postura muito mais proativa, de comunicação clara com a sociedade, que precisa ter a exata dimensão de qual a situação e de quais são os riscos. A segunda medida seria um planejamento, isto é, agir de forma prévia. Como é que nós, enquanto sociedade brasileira, estamos nos planejando para nos adaptarmos a essa realidade? Para construir sistemas mais resilientes, já que as chuvas serão cada vez forma mais forte e as secas serão mais prolongadas? Esse planejamento é algo fundamental que nós não estamos fazendo", argumenta. 

O especialista diz que as orientações à sociedade sobre o uso do recurso não devem ser feitas apenas em momentos de crise. Pelo contrário: devem ser adotadas antes que o problema seja instalado.

"Como é que nós incentivamos os setores de saneamento básico a reduzir perdas, por exemplo? A média nacional do índice de perdas na distribuição é da ordem de 30% a 35%. Como é que nós falamos em reuso da água? Nós precisamos de água potável para todas as finalidades? Em Israel, mais de 90% da água que utilizam na agricultura é água de reuso. Esse é um debate estrutural que nós não estamos avançando no Brasil. Também é necessário proteger as áreas produtoras de água, os mananciais. Essas áreas têm condições ambientais para existirem. Têm dinâmicas sociais no seu entorno. Como nós protegemos e restauramos a cobertura vegetal nessas áreas, que é fundamental para a segurança hídrica desses mananciais?"

"Então, de forma geral, precisamos de uma mudança de paradigma no Brasil, de parar de compreender a água como pura e simplesmente um recurso que precisamos utilizar e começar a construir uma lógica de cuidado com a água, superando essa visão atrasada, anacrônica, do século XIX, de que a água nasce em cano e, portanto, é preciso compreendê-la como um elemento fundamental à vida, um bem natural que precisa de condições para existir em quantidade e qualidade adequadas."

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