A área sob alerta de desmatamento em julho nos 26 municípios da Amazônia nos quais as Forças Armadas realizam a Operação de Garantia da Lei da Ordem (GLO) ficou praticamente igual ao patamar do mesmo mês em 2020. A queda foi de 2,6% nesses locais, enquanto nas cidades fora da lista oficial de regiões prioritárias a redução foi quase sete vezes maior, de 17,3%. As informações são de um levantamento do Fakebook.eco, com base em dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Considerando todos os municípios da Amazônia Legal, a queda foi de 9,7%. A GLO deste ano é a terceira do governo de Jair Bolsonaro. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, cerca de três mil militares participarão da ação, que começou em 28 de junho e deve seguir até 31 de agosto, podendo ser prorrogada.
Diferentemente das duas primeiras, dessa vez a GLO é focada em 26 cidades específicas, em quatro estados: Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia. O custo é de cerca de R$ 50 milhões, segundo Mourão.
"Os números reforçam que a GLO não está resolvendo o problema. Já é a terceira vez que estão tentando realizar esse tipo de operação e já está muito claro que ela gasta muito dinheiro e não resolve. Essa presença maciça de militares na região não é solução para o desmatamento nem para outras infrações ambientais", afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sobre o resultado da pesquisa que envolveu ainda o Observatório do Clima, Greenpeace, ClimaInfo e Agromitômetro.
Ela explica que os militares podem e têm ajudado historicamente com apoio quando o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) avaliam ser necessário, mas afirma que "quem sabe fazer operações de fiscalização ambiental na Amazônia" são os órgãos ambientais:
"Os militares podem atuar como apoio, mas não podem estar organizando tudo, pois não têm expertise. O que estão fazendo lá é gastar dinheiro", afirma Araújo.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, avalia que a "estratégia de dissuasão" adotada pela GLO, na qual um grande contingente militar é colocado em determinado ponto em um município, não é suficiente. Ele explica que quando a fiscalização está numa frente, os infratores atuam em outra e destaca que "estamos falando de criminosos profissionais".
"A estratégia do exército, posicionando a base em um município que é do tamanho de um estado, não é mais suficiente. É preciso combate efetivo, com sobrevoo constante, monitoramento por satélite, várias frentes de deslocamento de equipes por terra para promover flagrante. O exército atua de forma barulhenta, quando vai abastecer os veículos para ir a campo, todos sabem que no dia seguinte terá blitz. Essa ostensividade não tem a eficiência de equipes do Ibama, por exemplo, que agiam com inteligência especializada", afirma.
OGLOBO pediu um posicionamento do Ministério da Defesa e da Vice-Presidência da República, mas não teve resposta até o momento.
Desmatamento 'altíssimo' em julho
Bocuhy avalia que o índice de devastação na Amazônia em julho foi "altíssimo". Foram 1.498 km² sob aviso de desmatamento no bioma, de acordo com o sistema Deter, do Inpe. Segundo especialistas, os números indicam que o desmatamento anual, medido de agosto de um ano a julho do seguinte pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (Prodes), deve se manter na casa dos 10 mil km² este ano. Enquanto o Deter é um sistema de alertas para apoiar a fiscalização, o Prodes é divulgado mais tarde e costuma superar seus índices, por ser mais preciso.
"O índice do mês passado mostra que o sistema de fiscalização na Amazônia adotado hoje não está funcionando a contento. Para atingir o que foi estipulado no Acordo de Paris temos que limitar a 3 mil km² por ano de desmatamento, até zerar, e temos tido nos últimos anos 10 mil km² por ano. É três vezes mais do que poderia ser aceitável", destaca Bocuhy. "Se houvesse redução da ordem de 70%, eu diria que estamos entrando naquilo que era previsto".
No início do mês, Mourão afirmou que a redução no desmatamento anual da Amazônia "provavelmente" ficaria entre 4% e 5%, o que classificou como "muito irrisória". Anteriormente, ele havia dito que a meta da nova operação era que a taxa anual tivesse uma queda de 10% a 12%.
Ainda segundo o levantamento, em julho deste ano houve aumento de 214% da área sob alerta de degradação — remoção parcial da floresta — nos municípios em que os militares atuam, em comparação com o mesmo mês em 2020. No resto da Floresta Amazônica, a degradação caiu 55%.
Queda nas multas do Ibama
O levantamento do projeto também aponta que o Ibama aplicou apenas 60 autos de infração por crimes contra a flora nas 26 cidades nas quais ocorre a GLO. O número representa uma queda de 29,4% em relação ao mesmo período no ano passado. Nos demais municípios, a redução foi de 55,6%.
Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, afirma que houve um aparelhamento do Ibama, assim como de outros órgãos como ICMBio e Fundação Nacional do Índio (Funai), com funcionários de carreira sendo substituídos por "homens de confiança" do presidente ou do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, "que nada entendem de combate ao desmatamento na Amazônia".
"Outro problema é a dotação orçamentária, que vem sendo cortada ano a ano. O Ibama não tem concurso há muito tempo. E nos últimos dois anos o governo usou a estratégia de levar os militares para a Amazônia, enquanto os números mostram que é uma grande cortina de fumaça para deixar o grileiro, o pecuarista desmatar, as invasões às terras indígenas e áreas de conservação continuarem", afirma Rômulo Batista, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.
Combate ao desmatamento
Entre as ações necessárias para combater o desmatamento, especialistas afirmam que, além da reestruturação dos órgãos ambientais, é necessária a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), considerado como importante ferramenta na redução do desmate no passado, e do Fundo Amazônia.
Relatório do Observatório do Clima apresentado em audiência pública em outubro de 2020 aponta que o fundo, criado para financiar projetos de redução do desmatamento e fiscalização, tem cerca de R$ 2,9 bilhões parados desde 2019.
Batista também defende o aumento das penas para crimes ambientais, uma "moratória", com proibição de qualquer tipo de desmatamento na Amazônia por cinco anos, e a retomada da demarcação de territórios indígenas e criação de unidades de conservação.
"Temos centenas de pedidos de demarcação de terras indígenas parados. Também é necessária a implementação desses territórios que foram criados", afirma o porta-voz do Greenpeace.