Decisão do MEC sobre o Enem deve acelerar o processo de inclusão digital que vem sendo explorado pelas escolas
Valter Campanato/ABr
Decisão do MEC sobre o Enem deve acelerar o processo de inclusão digital que vem sendo explorado pelas escolas

Dentre as mudanças anunciadas nesta quarta-feira (3) pelo Ministério da Educação (MEC), a respeito do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a que mais surpreende estudantes e profissionais do ambiente escolar é a aplicação das provas. Afinal, ela passará a ser feita de forma digital , numa implementação progressiva, sendo intenção do governo extinguir as provas em papel em 2026.

Consultados pela redação do iG , diretores de escolas se mostraram empolgados com as possibilidades abertas pela realização das provas do Enem a partir de computadores. No entanto, eles também declararam apreensão quanto às dificuldades que estão pela frente. Isso porque a inclusão digital, que já estava no radar das escolas, não se fazia tão urgente – pelo menos, até agora.

"Em sua forma digital, as questões podem apresentar dinâmicas diferenciadas, inclusive com a utilização de vídeos, por exemplo", explica o diretor do Colégio Ao Cubo, localizado no Rio de Janeiro, Vitor Israel. Professor de matemática, Israel diz ainda que uma prova digital pode se aproximar do universo jovem. "A aproximação do exame a um cenário muito utilizado por boa parte dos jovens – maior parcela de candidatos do Enem – tem seus lados positivos", afirma.

O diretor do colégio fluminense também explica que tal decisão do MEC deve acelerar o processo de inclusão digital. "Já seria um movimento natural dos colégios por conta da modernidade que vamos alcançando com o passar do tempo", argumenta. "Com essa interferência, esse movimento é antecipado", diz.

Para o diretor do Colégio Unificado, em Porto Alegre, Fábio Vasques, a qualidade do exame em si não deve ser afetada pelo formato digital, mas, do ponto de vista pedagógico, provas pelo computador podem estimular alguns tipos de questão, como aquelas que usam vídeos. Ainda assim, há prejuízos e benefícios a serem apontados.

"As vantagens óbvias são a diminuição de custo de impressão, o oferecimento de mais datas para a realização e a possibilidade de acesso por parte de candidatos residentes de regiões mais afastadas dos centros de aplicação", afirma. "Um prejuízo possível é na prova de redação, que deixará de cobrar a escrita cursiva, porém é possível argumentar que essa já não é uma habilidade necessária no mundo digital em que vivemos", pontua.

Prazo de adaptação apertado – e arriscado

A proposta do governo Bolsonaro é de uma implementação progressiva e, em 2020, o Enem digital já será aplicado em fase piloto.

"Até 2026, a prova vai ser muito parecida com o que é hoje, mas toda ela vai ser feita no computador, como foram as transformações lá fora. Até 2026, todo mundo vai fazer a prova pelo computador, e vai poder fazer isso em várias datas ao longo do ano", disse ontem o ministro da Educação , Abraham Weintraub.

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Vasques acredita que o tempo de adaptação pretendido pelo Ministério da Educação seja apertado e arriscado. Afinal, o projeto precisa ocorrer sem falhas para que nenhum aluno brasileiro seja prejudicado com a extinção das provas escritas.

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"O tempo é justo se o plano correr sem falhas, o que é pouco provável", alerta. "O próprio ministro admitiu que o plano foi feito pensando no sucesso do governo em diversas áreas, em especial a economia, o que geraria um cenário mais propício à adaptação por parte das escolas, tanto para a aplicação quanto para a preparação dos alunos ", reforça.

"Sabemos que historicamente as coisas não andam tão idealmente no Brasil, portanto nos resta ver se o plano do MEC realmente se mantém", comenta o diretor.

Reflexos das mudanças no ambiente escolar

Dentro dos muros das escolas, a estratégia agora tem que mudar. Isso porque é obrigação das escolas preparar os jovens para a realização do Exame Nacional do Ensino Médio, o que significa agora que os alunos devem chegar capacitados a realizar uma prova digital – o que não estava nos planos dos colégios há alguns anos.

"As escolas certamente terão de incorporar o elemento digital em seus currículos de forma mais incisiva", continua o diretor do colégio porto-alegresense. "O ensino de redação passará também pelo entendimento da ferramenta. A prática de provas em computador tenderá a ser oferecida pelas escolas", prevê.

Além disso, a expectativa do MEC é que a versão digital abra outras possibilidades como a de realização do exame em várias datas ao longo do ano, por agendamento.

"Para os colégios, a palavra de ordem é adequação. Tanto nos cronogramas de conteúdo, como nos simulados ao longo do ano. Os coordenadores e diretores pedagógicos precisarão fazer um planejamento específico", diz o diretor do Colégio Ao Cubo, do Rio de Janeiro. Ele aponta, porém, que a aplicação múltipla pode ajudar estudantes, pois vai tirar o peso da data exclusiva.

"Com mais aplicações, o aluno não fica tão vulnerável a uma data específica. Se um aluno passar mal no único dia de aplicação do Enem, ele se coloca em uma situação muito delicada", diz.

Para o diretor gaúcho, esse benefício, provavelmente, não deve ser gozado por todos os candidatos ao Enem. "Sendo possível a realização múltipla, alunos de uma melhor classe econômica se beneficiarão por poderem fazer mais de uma prova durante o ano".

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O mesmo acontece com a questão da inclusão digital para o Enem . "Como sempre, isso terá mais impacto na realidade de alunos de zonas carentes e mais distantes, que não têm o mesmo acesso das regiões mais alfluentes e centrais", afirma Vasques. "Infelizmente, tudo isso depende de recursos. Com a situação de algumas de nossas escolas públicas, é difícil acreditar que essa seja uma prioridade", encerra.

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