Patrícia Vanzolini, presidente eleita da OAB-SP
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Patrícia Vanzolini, presidente eleita da OAB-SP

Eleita para assumir a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo (OAB) como a primeira mulher a ocupar esse posto em 89 anos , Patricia Vanzolini quer promover um "choque de gestão" durante seu triênio (2022-2024). A advogada, eleita ao lado de Leonardo Sica (vice) no último dia 25, acredita que a OAB está abandonada com a atual gestão.

Atualmente, a seccional de São Paulo é comandada por Caio Augusto Silva Santos. Ele disputou a reeleição, mas ficou em segundo lugar.

"A Ordem tem um lugar jurídico que não é nem público nem privado, então consegue reunir todos os vícios do serviço público e do serviço privado — e nenhuma virtude. Ela precisa apoiar a advocacia, que está muito abandonada ultimamente com essa gestão. Abandonada mesmo, pelas suas prerrogativas", criticou, em entrevista ao iG.

Na avaliação de Patricia, o caminho para recuperar a Ordem passa pela reconstrução da instituição, que ela afirma ter se afastado da advocacia e perdido relevância, e pela organização das contas, com transparência. Entre os planos para atingir esses objetivos estão a implantação de um departamento de compliance.

Outra medida que a presidente eleita defende como necessária para preservar a imagem da OAB é o não-envolvimento com a política partidária. Questionada sobre o assunto, Patricia voltou a se manifestar contra a postura do presidente nacional da Ordem, Felipe Santa Cruz. Ele pretende disputar o governo do Rio de Janeiro pelo PSD.

"Eu acho que a vinculação dele a partidos políticos, esse anúncio da pré-candidatura ao governo do Rio de Janeiro, compromete a isenção das manifestações dele. Quando ele se manifesta de maneira contrária a Bolsonaro, fica uma dúvida sobre quem está se manifestando: se é a Ordem ou se é o pré-candidato a governador. A Ordem não pode ter vinculação político-partidária e o seu dirigente muito menos", argumentou. Para Patricia, a OAB deve se manifestar apenas em casos de sérias ameaças à democracia.

Ao longo da entrevista, ela deu exemplos de quando os posicionamentos da instituição são necessários, comentou os embates entre o Supremo Tribunal Federal e o Poder Executivo e adiantou o que pretende fazer para atender os pleitos de redução da anuidade na Ordem. Confira abaixo:

Em um trecho de seu agradecimento após ser eleita, a senhora falou em "reconstruir a OAB". Por que acredita que a Ordem precisa ser reconstruída e o que deve ser mudado?

A OAB está se afastando muito da advocacia, da sociedade e está perdendo relevância. Nos anos 80, ou até mesmo antes, no período da ditadura, a OAB era uma instituição muito importante para a sociedade; era unida, muito prestigiada e levada em conta nas discussões nacionais. Com o passar do tempo, ela foi perdendo essa conexão e essa importância. Isso ficou muito explícito nesse momento em que tanto a advocacia quanto a sociedade precisaram do apoio da Ordem, mas houve falta de manifestações sobre coisas que estavam acontecendo na nossa política e no nosso cenário nacional.

Hoje, indo visitar diversas autoridades desde a minha eleição, eu constato isso com mais concretudo. Todas as autoridades que visitei (presidente da Alesp, presidente eleito do Tribunal de Justiça, presidente do Tribunal de Contas do estado) são unânimes em dizer que a OAB nunca os procurou durante essa última gestão. Era algo que nós já supúnhamos, mas agora ficou comprovado.

A reconstrução da Ordem é a reconstrução da relevância da Ordem com a sociedade, da conexão da Ordem com os advogados e com as demais instituições. É o que nós estamos fazendo já a partir de agora. Senão, a Ordem perde a sua razão de existir.

Por quais motivos houve essa perda de relevância?

A ordem se voltou muito para uma política interna, uma política de manutenção dos seus dirigentes no poder. Nós tivemos aí sucessivas reeleições, de grupos que estão dentro da Ordem há muito tempo. O próprio presidente atual da Ordem de SP é uma dissidência do grupo do anterior que, por sua vez, já vinha de dois mandatos consecutivos. Então, a Ordem se voltou para uma política interna fisiológica que impediu que ela se manifestasse, enfim, que ela se importasse com os assuntos da advocacia, da sociedade. Por isso que um dos nossos maiores pilares é o fim da reeleição.

Nós entendemos que quem está lá na Ordem tem que fazer o seu trabalho muito bem feito, tem que se dedicar, se doar, é um trabalho voluntário, nós não ganhamos nada por isso e nem podemos, nem de forma direta nem indireta, mas se doar pelo bem da classe e da sociedade. Falta essa visão mais republicana na gestão da OAB.

Mulher branca, grisalha, de blusa cinza e óculos.
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Patrícia Vanzolini, presidente da OAB-SP no próximo triênio


Agora eleita, o que a senhora acredita que serão os principais desafios à frente da gestão? A transição já começou?

A transição já está em pleno andamento. É uma transição muito grande, muito complexa, de uma Ordem que gera muito dinheiro, tem muita responsabilidade, então nós já começamos a transição no primeiro dia. São muitos os aspectos em que a Ordem precisa ser reconstruída. Acho que ela precisa reconstruir as pontes com outras instituições, precisa também ser reconstruída internamente, já que temos um grande problema de governança. A Ordem não obedece os princípios de governança nem das instituições públicas nem das privadas. Ela não obedece aos principios de desenvolvimento sustentável, de responsabilidade ambiental e social... Ela precisa ser trazida para o século XXI.

É preciso, também, arrumar as contas da ordem, a transparência das contas, fortalecer a democracia interna; nesse sentido, nós vamos lutar pela eleição direta para presidente do conselho federal porque entendemos que isso é fundamental. Precisamos de uma controladoria interna das contas da ordem, precisamos informatizar e desburocratizar... Em primeiro lugar, precisamos de um choque de gestão, transformar a ordem em uma instituição eficiente.

A Ordem tem um lugar jurídico que não é nem público nem privado, então consegue reunir todos os vícios do serviço público e do serviço privado — e nenhuma virtude. Ela precisa apoiar a advocacia, que está muito abandonada ultimamente com essa gestão. Abandonada mesmo, pelas suas prerrogativas. Decisões foram tomadas sem que a Ordem fosse ouvida. Existe, por exemplo, essa decisão sobre fechamento e abertura de fóruns, que foi tomada sem que a Ordem fosse consultada.

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Os advogados estão sem meios materiais tecnológicos de trabalho (como computadores)... É preciso apoiar os advogados, é preciso se manifestar a respeito dos grandes temas que afetam a democracia e defender o estado de direito de forma apartidária. São três grandes temas: governança, apoio ao advogado e participação na sociedade — de forma isenta e apartidária, em defesa da democracia.

A senhora tem criticado a falta de transparência na Ordem. Como a sua gestão pretende mudar esse cenário?

É preciso modernizar a gestão financeira. Em primeiro lugar, construindo um portal da transparência que realmente detalhe receitas, despesas e as tornem públicas. É preciso publicizar quanto os funcionários ganham, no quê o dinheiro está sendo gasto (se é em viagens, qual o motivo dessas viagens, se é em festa, o motivo da festa). É preciso explicar para a advocacia no que o dinheiro está sendo gasto. Além disso, precisamos instituir um departamento de compliance. Não existe empresa pública ou privada sem um departamento de compliance, que explique como estão sendo firmados os contratos, se não estão sendo superfaturados, se não estamos pagando mais por determinados serviços, se há gastos que podem ser cortados. Então precisamos desse departamento de integridade corporativa para ter responsabilidade com o dinheiro que é arrecadado com as as anuidades.

Precisamos, também, de um orçamento participativo. Tivemos recentemente, por exemplo, dinheiro da Ordem gasto para construção de piscinas para os advogados. Talvez eles não precisassem de piscina, mas de um coworking, um lugar para trabalhar, com um computador de ponta, um lugar em que ele pudesse fazer uma reunião. Então, o orçamento participativo é outro aspecto nessa questão da responsabiidade financeira. Por fim, precisamos de uma controladoria interna. As contas da Ordem são aprovadas pelo próprio conselho, mas o conselho é eleito junto com a direção executiva. Então, na verdade, ele não é inteiramente imparcial. É preciso ter um órgão externo, formado por advogados, que consiga fiscalizar e apurar eventuais irregularidadedes para que elas possam ser sanadas.

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Sabemos que a anuidade da OAB é questão polêmica entre os associados, já que o valor em São Paulo chega a quase R$ 1.000,00. A senhora pensa em fazer uma redução nessa taxa?

Como somos uma chapa de oposição, que veio de fora, não tínhamos acesso às contas internas, até porque elas não eram publicadas. Mas nós já percebíamos, pelas poucas informações públicas, que havia desperdício de dinheiro. Se há desperdício de dinheiro, há espaço para redução da anuidade. Nós pretendemos, durante esse primeiro ano, estudar a questão da anuidade, até porque neste primeiro ano não poderíamos reduzi-la, uma vez que o orçamento já foi aprovado pela gestão atual, mas vamos passar por um processo de fechamento de torneiras para evitar desperdício, estudando espaços para, no segundo ano, promover uma redução da anuidade, ao menos uma redução proporcional.

Na gestão nacional, o presidente Felipe Santa Cruz costuma se posicionar em diversos momentos contra medidas e declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL). Na sua avaliação, há um limite para a Ordem se posicionar contra ou a favor de atos do Poder Executivo?

A meu ver, existem dois problemas nessa questão: o primeiro é o problema formal, que é anterior à questão do limite. O nosso presidente do conselho federal não é eleito por voto direto, então ele tem uma representatividade muito deficitária; a advocacia não se sente representada. Então, quando ele fala pela entidade, não fala apenas por ele, e aí temos um grande problema. Hoje é contra o Bolsonaro, mas, em 2014, a Ordem endossou o processo de impeachment da ex-presidente Dilma. Veja, são dois governos diferentes, mas em ambos os casos os advogados reclamaram que não se sentiam representados por essa posição da Ordem. Isso acontece porque eles não elegem o seu representante. Enquanto nós continuarmos com esse sistema de eleição indireta, sempre haverá um problema de representatividade.

O outro problema é a vinculação partidária, especificamente falando agora do presidente Felipe Santa Cruz. Eu acho que a vinculação dele a partidos políticos , esse anúncio da pré-candidatura ao governo do Rio de Janeiro, compromete a isenção das manifestações dele. Quando ele se manifesta de maneira contrária a Bolsonaro , fica uma dúvida sobre quem está se manifestando: se é a Ordem ou se é o pré-candidato a governador. A Ordem não pode ter vinculação político-partidária e o seu dirigente muito menos.

Agora, quanto ao mérito de suas participações, a Ordem só pode se manifestar quando houver sérias ameaças à democracia. Ela deve ser parcimoniosa nas suas manifestações, mas não pode ser omissa. Quando há ataques ao Estado de direito e às instituições democráticas, como incentivo ao fechamento do STF, a Ordem precisa se manifestar, precisa ser combativa e preservar o funcionamento das instituições.

O STF vive constantes embates com o governo Bolsonaro e, por vezes, com o Congresso também, como no caso do orçamento secreto. Na sua avaliação, a Corte tem cumprido seu papel ou por vezes ultrapassa a seara dos outros Poderes?

Eu acho que o fato de haver embates é exatamente a virtude da separação dos Poderes, do sistema que chamamos de freios e contrapesos. É bom que haja embates, não é bom que haja uma paralisia institucional e nem que haja agressões institucionais. Mas a contrariedade entre os Poderes é uma virtude. O Judiciário de alguma forma controla o Executivo, que, por outro lado, também controla o Judiciário. É um sistema em que um Poder não deixa que o outro abuse ou domine.

O STF, como todos os órgãos, como todas as coisas humanas, assim dizendo, às vezes acerta, às vezes erra. Acho que é difícil fazer uma crítica generalista. Há casos em que o STF extrapola o seu poder Judiciário com uma conduta que chamamos de ativismo judicial e nesse tocante acho que ele invade a esfera do Legistativo, atuando de uma forma que apenas o Legislativo poderia atuar. Por outro lado, há outros casos em que o Judiciário age de maneira acertada, mas a população não compreende. O Judiciário não deve agradar o anseio popular, mas sim proteger a Constituição, proteger as leis. Então, às vezes, toma atitudes impopulares, mas que precisam ser tomadas. Quem deve agradar a opinião popular é o Legislativo. A função do Judiciário é proteger a Constituição, mesmo que isso vá contra o anseio popular. E ele faz isso muito bem; às vezes, erra.

Essa foi a primeira vez que a composição das chapas foi obrigada a ter paridade de gênero e sistema de cotas. A senhora acredita que essa regra contribuiu para sua eleição ou mesmo para a vitória de outras candidatas nas demais seccionais?

O sistema de cotas e aprovação de regra de paridade contribuíram, ainda que de forma indireta. O sistema de paridade obrigava que as chapas tivesssem 50% de mulheres, mas não obrigava que elas tivessem uma mulher candidata à presidência. Muitas chapas tiveram esses 50%, mas não optaram por lançar candidatura de uma mulher. A nossa chapa lançou e fomos vitoriosos. Mas eu acho que o sistema de paridade e de cotas contribuíram para a minha eleição e das demais mulheres de forma indireta no momento em que colocou essa questão do machismo no Judiciário, no sistema de justiça, na ordem do dia. Tanto é que boa parte das perguntas dos debates dos quais eu participei, mesmo das entrevistas que eu concedi como candidata, tinham essa questão como tema principal — coisa que não vimos na eleição passada. Basta que se veja que, no pleito de 2018, nenhuma mulher foi eleita para a presidência. Foram 27 presidentes homens. Após a aprovação da paridade, somos 5 mulheres e 22 homens. Ainda está longe de ser uma paridade, mas é significativo.

Acho que trazer a questão do machismo estrutural e do racismo estrutural para a ordem do dia, para as pautas do debate, contribuiu para abrir os olhos. Antes dessas discussões, talvez não fossemos tanto conscientes dessa desigualdade. Essas propostas nos tornaram mais conscientes de que no Supremo, de 11 ministros, só temos duas mulheres. Que no STJ, de 33 ministros, só 6 são ministras. No próprio TJSP a quantidade de desembargadoras é muito pequena. A ordem de SP, em 89 anos de existência, nunca teve uma presidente mulher, e isso significa também uma falta de conexão com a sociedade, até porque as mulheres hoje são 50% da advocacia. Essa situação precisava ser mudada. Essa eleição é uma fenda nesse muro, nesse teto de vidro, então a tendência é que nós ampliemos esses espaços.

A senhora acredita que a Nacional pode ter uma mulher para suceder Felipe Santa Cruz? Quem?

Eu acharia muito grandioso, algo muito bom. Mas eu insisto que meu maior desejo é por eleição direta nacional. O sistema de eleição indireta é muito antidemocrático, tanto é que, provavelmente, no próximo mandato teremos uma chapa única concorrendo. Isso não é democrático. O sistema eleitoral é complexo. É preciso que quem concorra tenha o apoio de pelo menos 6 estados, e quem conseguir o apoio de mais estados não precisa de qualquer outro concorrente. Então, além de não ser uma eleição direta, muitas vezes é uma eleição sem concorrência. Acho que esse sistema precisa ser mudado.

Gostaria muito que fosse uma mulher na presidência nacional, mas não tenho nenhum nome de preferência, não. Temos muitas mulheres preparadíssimas. Nosso conselho federal tem três mulheres e qualquer uma poderia ser candidata.

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