É chato eu ficar me repetindo, eu sei, mas preciso dizer novamente: nesse canto do mundo, não há monotonia. Nada de um dia após o outro, transcorrendo em períodos de 24 horas que, somados sete vezes, viram uma semana. Ah, não. Aqui é tudo instantâneo. Os eventos se empilham uns sobre os outros.
Tivemos há pouco um show de terror protagonizado por um rapper inglês de tranças enormes e corpo tatuado que adotou o nome artístico de Bob Vylan – do qual eu, e provavelmente você, nunca ouvimos falar antes, mas a partir de agora agora jamais esqueceremos seu nome. Sobre o palco do Festival Glastonbury em Somerset, na Inglaterra, em frente a milhares de pessoas, o energúmeno gritou eufórica e repetidas vezes a frase “Morte às FDI” (Forças de Defesa de Israel) para um público tão bruto quanto ele próprio.
Verdade seja dita, ele nem ao menos fez algo de novo: em abril, no Festival Coachella, na Califórnia, o grupo de rap irlandês Kneecap fez algo bem parecido, com uma variaçãozinha: “Fxxx Israel, Free Palestine” .
Terrorismo em festival musical
É triste notar que justamente neste tipo de festival musical, que via de regra reúne milhares de jovens com a mesma vibe livre e vibrante, aconteça esse tipo de chamamento racista. Afinal, milhares de israelenses dessa mesma “tribo” dançante participavam do Festival Nova , no sul de Israel, quando se tornaram alvo do pior atentado terrorista já realizado em um evento cultural – justamente um evento de música nos mesmos moldes de Glastonbury e de Coachella. Depois de horas de perseguição, tortura, estupro e assassinatos brutais, mais de 350 pessoas foram mortas e milhares ficaram feridas. Foram cenas tão brutais que, acreditavam as pessoas de bem, nunca mais seriam esquecidas. Mas foram, e bem rapidamente.
Natalie Sanandaji, israelense sobrevivente do Nova, concedeu uma entrevista a um podcast chamado Leading British Conversation justamente sobre esse tema. Fiquei tocada com o que ela contou – e acho que vale a pena reproduzir suas palavras aqui para que o leitor possa chegar à sua própria conclusão. A entrevistadora perguntou a Natalie o que ela sentiu após ouvir as notícias sobre o que aconteceu em Glastonbury. Essa foi sua resposta.
“Eu e outros participantes do Festival Nova já não nos sentimos mais seguros em festivais de música depois que o Hamas transformou a pista de dança em uma área de guerra. Estive em dois festivais depois do 7.10 [data da invasão do Hamas ao sul de Israel]. O primeiro foi na Hungria, e eu achei que seria uma experiência de cura. No entanto, dei de cara com grafites antissemitas nos banheiros e nas paredes.
“Depois viajei para o Festival AD na Holanda. Lá, vi uma festa que acontecia em um parque e, ao me aproximar, entendi que se tratava na verdade de um evento pró-palestina. Imediatamente pensei: se souberem que sou judia, irão me atacar? Tentei me convencer de que eu estava exagerando. Daí, três semanas depois, aconteceu o pogrom em Amsterdã [após um evento esportivo com a presença de um time israelense, centenas de muçulmanos passaram a perseguir e atacar torcedores israelenses nas ruas, promovendo uma verdadeira caçada humana]. Meses depois, desmascararam um complô em Portugal para envenenar participantes israelenses. Palavras levam à violência. Hoje, toda vez que penso em ir a um festival de música, sinto que vou arriscar minha vida.”
Serve de consolo saber que a incitação do tal Vylan levou os Estados Unidos a retirar o seu visto de entrada no país , resultando no cancelamento de uma sequência de shows agendados. Apresentações em alguns países europeus também foram canceladas. O que não resolve o problema, mas pelo menos consola e traz o tema à discussão.