Meu marido, um dos homens mais otimistas do mundo, disse um dia desses que a guerra contra o Irã é uma boa oportunidade para conhecer melhor nossos vizinhos.
Isso porque, como milhões de cidadãos israelenses, vivemos em um prédio que não conta com um quarto de segurança dentro de cada apartamento, o que nos obriga a descer até o bunker (que em hebraico se chama de miklat ) no andar térreo cada vez que toca um alarme ensurdecedor nos alertando sobre a chegada de um novo ataque.

A entrada do miklat no prédio em que vivo
O layout dos miklat segue sempre um mesmo padrão. No nosso caso, trata-se de uma sala de cerca de 30 metros quadrados, paredes caiadas, chão de cimento, um banheiro turco (ou seja, sem vaso sanitário) e uma porta de metal que pesa algumas toneladas (pelo menos, essa é a impressão).
Proteção o suficiente até mesmo para os mísseis balísticos de uma tonelada que o Irã vem lançando contra Israel nos últimos 10 dias. Há também milhares de bunkers públicos pelas ruas do país, os quais passam a maior parte do tempo fechados (sinal de paz, graças a Deus!) e, em dias como os atuais, confirmam sua importância.
Nessa saleta sem acabamento, sem ventilação e sem ar condicionado, mas repleta de proteção, temos encontrado nossos vizinhos pelo menos duas vezes por dia, em horários bem pouco amigáveis: normalmente no meio da noite ou cedinho pela manhã. Alguns com cara amassada do sono que dormiam, outros com as olheiras típicas dos que não conseguem adormecer.
Alguns levam ao miklat seus animais de estimação, como nós. Nacho, nosso cãozinho vira-lata, cumpre a importante missão de servir de distração para as muitas crianças que vivem no prédio. Algumas aparecem com rostos assustados, outras estão visivelmente resignadas – sentam-se com telefones ou tablets nas mãos, na maioria das vezes aninhadas nos pais. Há também aquelas que não negam a experiência de guerra acumulada em seu curto tempo de vida: chegam seguras de si ou às vezes nem despertam muito de seu sono e o retomam assim que se sentam.

Na medida em que nos enfronhamos no conflito com o Irã – que, esperamos, será breve –, vamos nos adaptando à realidade que se impõe a cada dia. Quando o inimigo era o Hezbollah ou Gaza, podíamos simplesmente sentar nas escadarias do prédio para garantir a proteção dos mísseis “normais” lançados de Gaza ou do Líbano e esperar alguns minutos antes de retomar o que interrompemos.
Até 10 dias atrás, saíamos de casa de mãos vazias, sabendo que o ataque duraria pouco. Nessa última semana, a ordem é nos mantermos fechados dentro do bunker e aguardar até que a Defesa Civil nos envie uma mensagem, por telefone, avisando que o perigo passou.
Nos primeiros dias, levávamos ao bunker apenas água; alguns também carregavam um rádio de pilha ou uma lanterna. Depois de hoje, dia histórico em que os Estados Unidos destruíram as usinas atômicas iranianas, nossa bagagem se tornou maior – levamos conosco documentos importantes e objetos de valor, como passaportes, joias ou dinheiro, uma vez que a possibilidade de destruição total de nosso prédio, a exemplo do que vimos em outras cidades, já não pode ser descartada.
Ainda assim, o povo israelense segue em frente. Como um náufrago que vislumbra a terra firme, a paz nos acena e quase a tocamos com as mãos. Atrás dessa esperança, seguimos.