A guerra contra o terror em curso no Oriente Médio, independentemente do desfecho, terá repercussões mundiais progressivas. Para além de uma potencial crise energética ligada aos combustíveis fósseis, o epicentro é o significado simbólico e geopolítico da região para as superpotências. E, apesar do uso da questão territorial como argumento central, o verdadeiro problema hoje está enraizado em uma abrangente disputa de poder que envolve Estados Unidos, Rússia, China, União Europeia e OTAN. Parece óbvio? Não tão óbvio, mas deixarei o assunto para uma outra análise.
Depois das chacinas de 07/10 contra os judeus , Biden fez a única coisa sensata que um líder do mundo livre poderia fazer: apoiou Israel incondicionalmente. Destarte, a atual administração norte americana vinha seguindo a cartilha programática de Barak Obama cujo ideário preconizava o enfraquecimento voluntário dos EUA como superpotência dominante naquela e em outras regiões do mundo. O objetivo era deixar que os povos da região encontrassem sozinhos uma solução para os seus conflitos a partir do hoje desgastado conceito de autodeterminação. Pareceria nobre, não? Porém um ingrediente da proposta foi esquecido: a autodeterminação só pode ocorrer em ambientes com eleições livres e sob rodízio de poder. A autodeterminação não pode envolver álibis e justificativas para o terrorismo.
O problema — deveria ser uma virtude — é que somente Israel segue tal diretriz. Somente Israel tem eleições livres e diretas regularmente. Somente em Israel os direitos das mulheres e das minorias são respeitadas. Somente em Israel está assegurada a liberdade religiosa. Pode soar como defesa partisã, mas não se trata disto, é somente a verdade. A irritante verdade.
A intempestiva saída de cena de uma superpotência ocidental criou um perigosíssimo vácuo de poder que foi ocupado por quem tinha mais organização, subsídios, e, principalmente, munição. O terrorismo jihadista, estado islâmico, proxys iranianos, talebãs, preencheram momentaneamente todos estes requisitos. No Egito aconteceu o mesmo, e a Irmandade Muçulmana ganhou as eleições.
Trago uma analogia: um tratamento médico não se pode simplesmente suspender uma droga de uso contínuo repentinamente. O risco de efeito rebote ( rebound effect ) apresenta um risco clinico significativo para a saúde. Ao suspender uma substância sem o devido desmame lento e gradual as reações do corpo podem ser violentas. Eis que o erro estratégico da equivocada doutrina do ex presidente americano de retirar-se de cena abruptamente repetiu-se muitas vezes (Líbia, Iraque, Egito, e mais recentemente, no Afeganistão).
A cronologia é óbvia, nunca a paz esteve tão próxima de ser alcançada na região quando os acordos de Abrão, especialmente os de Israel com a Arábia Saudita, eram iminentes. E o terror instrumentalizado por proxys dos aiatolás a interrompeu da forma mais brutal e abjeta possível. Um exército de inimigos da humanidade declarou uma guerra, através de um impensável banho de sangue contra judeus no sul do País, levou o primeiro round com nocaute desleal ao produzir o mais grave evento contra judeus desde a era do holocausto.
Quem desconhece ou prefere desconsiderar a extensa história judaica poderia avaliar que se tratava de mais um episódio isolado entre os incontáveis conflitos tribais do Oriente Médio, portanto subestimaria o impacto que a tragédia do dia 07/10 teve e continuará a ter nos corações e mentes da população israelense, judaica e mundial por décadas, senão por gerações.
Uma dúvida persistente e intrigante: por que as reações de indignação pelo mundo foram tão diferentes do 11/09? É notável a seletividade da indignação quando o ator Israel entra em cena? Ao mundo falta a compreensão da realidade psicológica para os judeus: a partir do ataque do Hamas, estilo Isis, toda constatação de qualquer desvio atribuído a uma perspectiva paranoica passava a ter base concreta.
Quando o Estado de Israel foi criado os que testemunharam e viveram a Shoah cunharam o termo "nunca mais", confiantes de que, contando com um estado nacional, o único País judaico do mundo, a proteção estaria assegurada. Depois dos eventos de 07/10 esta segurança revelou-se, se não frágil, deficitária, e trouxe de vez todos os pesadelos represados à superfície.
Uma consciência foi tragicamente trazida de chofre das profundezas do sofrimento: a constatação de que a segurança era mais subjetiva do que objetiva, e a subsequente percepção de que ameaça à existência de Israel era surpreendentemente real.
Diante das pacificas marchas de apoio cujo slogan "do rio ao mar", — clara insinuação de que os cidadãos de Israel precisam ser empurrados do Jordão ao Mediterrâneo — ainda parece pairar dúvidas sobre o significado da compreensão da história e, principalmente, da justiça. Em mais uma evidência de um inconfesso bias contra Israel é importante assinalar que mesmo antes da resposta militar de Israel ataques antissemitas brotaram de todos os cantos da terra. Assistir jovens doutrinados por uma pedagogia acrítica ameaçando judeus nos campi ou retirando os cartazes que pedem a devolução dos reféns é particularmente nauseante. Nos centros do saber, as Universidades, os argumentos são substituídos por slogans que vão das infundadas alegações de "colonialismo" ao "genocídio" (sic) do povo palestino. Leia-se o artigo de Simon Sebag Montefiore sobre o assunto no The Atlantic e recentemente traduzida e publicada em português .
Genocídio demográfico e matematicamente insustentável pela simples verificação do aumento exponencial e progressivo dessa população, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza Mas nesta guerra um tópico ficou autoevidente, os fatos foram anulados por versões contra fáticas. A realidade substituída pela dicursidade instrumental controlada pela ideologia. Que produziu uma hegemonia intelectual distorcida pela militância daqueles que um dia se julgavam educadores.
Somente os israelenses podem definir o que podem e devem fazer para proteger seus cidadãos numa guerra como a que foi declarada pelos terroristas do Hamas, e os desdobramentos das respostas políticas e militares ainda são imprevisíveis.
A esperança, ao fim e ao cabo, é que depois das tragédias, o dia seguinte da guerra dará lugar a uma inevitável paz. O que precisa ser mensurado é quanto sofrimento teremos que testemunhar antes da contabilização final dos mortos e feridos. Antes que haja a liberação dos sequestrados pelos terroristas do Hamas. E antes de uma solução pragmática, ampla e negociada seja estabelecida entre os povos israelense e autoridade palestina — propostas já recusadas por esta última por pelo menos 5 vezes — sem a ilusão de que ela será perfeita ou definitiva.
Para quem alcança as analogias históricas a realidade confirma o ressurgimento nada cerimonioso de um novíssimo espectro nazista. O antissemitismo foi adotado pela agenda da extrema esquerda. Me perguntam se enxergo coerência? Há mais do que coerência. Há alinhamento automático entre aqueles que seguem acreditando em ideologias radicais. Fanáticos que permanecem fiéis aos princípios de Stalin. Para os que tem fé nas revoluções sangrentas. E, principalmente, para quem sonha em implantar autocracias de inspiração teocrática. Sempre, claro, usando os modelos democráticos para somente depois de alcançar o poder, anunciar o centralismo partidário e a revogação das regras anteriores aos pleitos.
Quando se trata de antissemitismo, só nos resta evocar a frase do poeta "esquerda e direita unidas jamais serão vencidas".