Desde que o mundo é mundo, é recomendado que as pessoas aprendam com os próprios erros e sempre procurem seguir um caminho diferente do que deu errado na tentativa anterior. Uma frase que resume esse conceito foi atribuída ao físico alemão Albert Einstein, que considerava "uma insanidade fazer sempre as mesmas coisas e esperar resultados diferentes". Esse princípio consagrado, pelo visto, não foi devidamente assimilado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva — que parece estar cometendo em 2023 o mesmo erro que tinha cometido em 2003 e, já neste início de governo, parece estar colhendo resultados muito parecidos com os que inviabilizaram sua permanência e a fizeram pedir demissão da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008.
Antes de prosseguir, um aviso! O que está em questão, aqui, não é a trajetória pessoal de Marina — um exemplo de superação e de coerência por qualquer ângulo que se observe. O que se pretende mostrar é que pessoas que parecem talhadas para um determinado cargo, como é o caso dela, correm o risco de se tornar intransigentes e de tomar atitudes que, ao invés de aproximar, acabam por afastá-las de seus objetivos. Isso mesmo: fora de um governo amplo, onde tem lugar para qualquer um que tenha se oposto a Jair Bolsonaro no passado recente, Marina Silva estaria sendo mais útil à linha de atuação que defende para a causa ambiental, do que consegue ser na equipe de Lula.
Explica-se: para Marina, a questão do Meio Ambiente começa e termina na Amazônia. Nada mais é importante. Não interessa, para ela, investigar os verdadeiros motivos para o aumento das queimadas na região do Cerrado. Entre janeiro e abril deste ano, ou seja, desde que ela assumiu o ministério, elas consumiram um total de 2,13 quilômetros quadrados, um recorde para o período desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) deu início a essas medições, em 2019. Independentemente da causa, ela aponta o dedo na direção do "agronegócio" — que ela insiste em chamar de "ogronegócio" — e o culpa pela devastação, sem considerar os avanços das técnicas de manejo ambiental introduzidas no campo e sem olhar para os milhões de empregos criados por essa atividade.
Se não estivesse no ministério, Marina poderia se valer do prestígio internacional que conquistou ao longo da carreira para apontar os erros que enxerga no setor e cobrar as providências que julgasse necessárias. Estando no cargo, no entanto, ela é obrigada a se submeter ao jogo pesado de participar de um governo multifacetado, com interesses múltiplos e nem sempre coincidentes — onde, às vezes, é necessário recuar dois passos para avançar três.
Ela sabe muito bem que faz parte de um governo sem uma base parlamentar confiável, em que as decisões precisam ser negociadas caso a caso e os ministros se desentendem publicamente para defender as políticas de seu interesse. Um governo como esse, com todo respeito, é incompatível com a defesa intransigente da causa ambiental, que tem marcado a vida de Marina, ou de qualquer outra.
Moral da história: não havia nome melhor do que o dela para ocupar a pasta do Meio Ambiente no governo de Lula. A questão é saber, por conhecer como ela conhece o ambiente petista e sofrer como ela já sofreu nas mãos do partido, se ela fez bem em aceitar.
Ofensas do passado
Tudo na vida de Marina a conduziu para defender as posições que defende hoje. Uma entre os onze filhos de um casal de seringueiros, ela viveu a infância em condições precárias no interior do Acre. Contraiu várias doenças que se propagam em ambientes insalubres — como hepatite, malária e leishmaniose — e só se alfabetizou na adolescência. Trabalhou como empregada doméstica para se manter. Ligou-se às comunidades de base da igreja católica, formou-se em História e militou ao lado de Chico Mendes. Com apenas 35 anos e filiada ao PT desde a fundação, tornou-se senadora pelo Acre em 1994.
A trajetória e a coerência renderam a ela o reconhecimento e o prestígio junto à elite ambientalista internacional — e Marina parecia o nome certo para o lugar certo quando Lula a chamou para o Ministério do Meio Ambiente em seu primeiro governo. Com o tempo, porém, ela se deu conta da dificuldade de transformar em políticas públicas suas posições em defesa da Amazônia. E finalmente percebeu que a utilidade que parecia ter para o PT na hora de conseguir votos e de angariar aplausos internacionais não se revertia em autoridade para pôr em prática as ideias em que acreditava.
Cada vez mais desprestigiada por Lula, Marina deixou o governo e rompeu com o PT. Com o apoio de um grupo de empresários endinheirados e de intelectuais que defendem a Amazônia, mas parecem incapazes de tomar medidas concretas para melhorar a qualidade do meio ambiente em suas próprias cidades, fundou a Rede Sustentabilidade. O partido nasceu como uma promessa de ser uma alternativa ao PT e ganhou prestígio nos grandes centros urbanos. E, assim, a defesa radical da Amazônia deu a Marina 19,6 milhões de votos na disputa presidencial de 2010.
Nas eleições seguintes, de 2014, ela comeu o pão que o diabo amassou quando seus ex-companheiros petistas não mediram esforços para "descontruir" sua imagem e evitar que os eleitores da esquerda dessem a ela os votos que deveriam reservar para garantir a reeleição de Dilma Rousseff. O massacre que ela sofreu dos ex-companheiros foi tão cruel, inclemente e injusto que superou até mesmo os padrões normalmente frouxos de respeito que se vê nas campanhas eleitorais brasileiras. Mesmo assim, ela conseguiu 22 milhões de votos no primeiro turno.
O tempo passou e o fôlego das disputas de 2010 e 2014 não voltou em 2018 — quando ela conseguiu pouco mais de um milhão de votos para presidente. Nas eleições passadas, candidatou-se à Câmara dos Deputados por São Paulo e se elegeu com facilidade — mas, ainda no primeiro turno, esqueceu as críticas que fez ao PT e as ofensas que recebeu dos companheiros para se atirar nos braços de Lula e apoiá-lo como se nada tivesse acontecido entre eles.
Um novo pré-sal
Se Lula não eliminar os ruídos dentro da própria equipe, Marina pode se convencer de ter repetido um erro ao aceitar o convite para voltar ao Ministério do Meio Ambiente. Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou, sob as bênçãos do Planalto, um projeto que, na prática, reduz as atribuições do ministério comandado por Marina e, também, as do Ministério dos Povos Indígenas, entregue a Sônia Guajajara. Esse ministério é uma dessas invenções de Lula que foram responsáveis por elevar de 23 para 37 o número de pastas na Esplanada dos Ministérios.
Lula, claro, agiu para conter a insatisfação de duas ministras que são importantes para a construção de seu prestígio internacional (que tem sido sua principal preocupação desde que retornou à presidência) e até anunciou, para novembro de 2025, a realização da 30ª Conferência Internacional sobre Mudança Climática (COP-30) para a cidade de Belém do Pará. Resta saber o que ele fará para evitar que a ministra continue criando obstáculos a projetos importantes, que podem perfeitamente conviver com uma agenda ambienta avançada, mas que Maria vê como uma ameaça.
A ministra vem se desentendendo publicamente com o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que defende a exploração de petróleo na costa do estado do Amapá — uma ideia contra a qual Marina sempre lutou. A divergência entre os dois expõe a falta de coordenação de um governo em que os ministérios não se guiam pelos compromissos que Lula assumiu com o eleitor na campanha do ano passado, mas pelas conveniências do partido que nomeou o titular da pasta.
O caso da exploração de petróleo na costa amazônica do Brasil — uma reserva estimada em dez bilhões de barris, equivalente a todo o pré-sal — é o caso à parte. Todo mundo acha que ela deve acontecer — e que a engenharia já dispõe de recursos suficientes para evitar ou mitigar os danos causados por eventuais acidentes. Só Marina é contra. Seja como for, o assunto é importante demais para ser tratado num bate-boca público entre dois ministros de um mesmo governo.
A pauta ambiental é, sem dúvida, importante — mas não pode se limitar, como parece ser a intenção de Marina, a criar mecanismos que transformem a Amazônia num santuário ecológico intocável e aberto apenas aos povos originários e às comunidades extrativistas que exploram os seringais do Acre, os castanhais do Pará, o capim dourado no norte do Tocantins e outros recursos naturais como esse.
É preciso se preocupar com gerar empregos de qualidade e com a renda e a qualidade de vida dos brasileiros que moram na região — até para evitar que eles se exponham ao risco de se contaminar pelas mesmas doenças que Marina contraiu há mais de 50 anos e que ainda hoje continuam ameaçando as populações da Amazônia. Para isso, é preciso que haja equilíbrio entre as políticas de preservação e o manejo responsável dos recursos naturais — levando a uma situação em que a presença humana funcione como uma cortina de proteção e não um fator de depredação ambiental.
Já passou da hora de o país se beneficiar dos recursos naturais abundantes que oferecem uma chance de desenvolvimento neste momento em que o mundo vive uma corrida por fontes mais limpas e sustentáveis de energia. Esses recursos só se transformarão em riqueza se Marina e Silveira começarem a trabalhar juntos. Do jeito certo e cercada pelos devidos cuidados, a exploração do petróleo, a produção do hidrogênio verde e as usinas de eletricidade alimentadas pelo vento e pela luz solar podem transformar o Brasil na grande potência energética do Século 21. Mas, para isso, é preciso olhar para a frente e entender que não existe incompatibilidade entre a preservação do ambiente e a exploração racional dos recursos naturais.
R$ 60 bilhões
O Brasil tem um problema a resolver caso queria se beneficiar da energia que pode ser gerada por seus recursos naturais. As regiões mais propícias à exploração de fontes solares e eólicas, o Norte e o Nordeste, ficam distantes do Sudeste, onde essa energia é demandada. Levar a energia de um ponto ao ponto ao outro exige linhas de transmissão quilométricas, que atravessam regiões que, tanto quanto a Amazônia, exigem proteção ambiental.
Para atender a essa necessidade, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pretende realizar leilões que darão a empresas privadas o direito de construir novas linhas de transmissão que, somadas, percorrerão mais de 180 mil quilômetros e exigirão investimentos de pelo menos R$ 60 bilhões. O primeiro leilão deve acontecer no final de junho. Seria importante que a pasta comandada por Marina compreendesse a importância desse projeto. E, quando for o momento certo de agir, ao invés de criar empecilhos sem sentido, facilite a implantação das novas linhas com todos os cuidados ambientais necessários.
Outro projeto que precisa ser visto com cuidado e que exige a união das duas pastas é o da autorização para a implantação de linhas de transmissão, oleodutos e gasodutos na região da Mata Atlântica. Visto na semana passada como uma ameaça ambiental ele pode, na verdade, representar uma proteção. Essas obras, que também podem dar contribuições importantes para o desenvolvimento, precisam ser feitas, sob pena de travar ainda mais a retomada do desenvolvimento.
É preciso considerar que a utilização da Mata Atlântica por projetos desse tipo representam um risco muito menor do que as ocupações irregulares que há anos vêm devastando as encontras na Serra do Mar no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sem que ninguém se esforce para evitá-las, essas invasões acontecem sob as barbas do Ibama e expõem a população ao risco de desastres que se repetem todos os anos e tiram centenas de vidas a cada vez que acontecem.
Como se vê, uma série de ações importantes exigem entendimento entre esses dois ministérios. Sendo assim, e diante das divergências que vêm criando antagonismos entre áreas que deveriam se unir pelo mesmo objetivo, Lula deveria apelar para a mesma solução que, em março passado, ele propôs para o conflito entre a Rússia e Ucrânia. "Putin, Biden e Zelensky acabariam com a guerra tomando cerveja comigo num botequim aqui no Brasil", disse Lula, para delírio do público de cinco mil pessoas durante um evento na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Se é tão fácil, por que não tentar essa solução no Brasil? Por que o presidente — mesmo respeitando os hábitos abstêmios de Marina — não chama os dois para uma conversa amistosa e resolve essa rusga de uma vez por todas? Talvez assim, seu governo finalmente comece a produzir resultados concretos e dê à população motivos parta acreditar que dias melhores virão.
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