O calendário eleitoral de 2022 está correndo e até o dia 1º de abril, ou seja, até a próxima sexta-feira, estará aberta a tal “janela partidária” — uma dessas peculiaridades que explicam por que a política brasileira tem despertado cada vez mais desconfiança no eleitor. É preciso parar para ver como a coisa funciona.
É assim: a lei diz que o deputado eleito por uma determinada legenda perderá o mandato caso queira mudar de partido. A questão é que, durante o mês de março dos anos eleitorais, as trocas ficam liberadas e o eleitor corre o risco de ver o candidato em quem votou justamente por estar filiado a um partido com ideias parecidas com as suas se filiar a uma agremiação que defende outros princípios. Quem apoiava o governo se liga à oposição, quem estava na oposição se liga ao governo e a vida segue sem que ninguém se preocupe com isso.
Há dezenas de justificativas para esse tipo de prática — mas todas elas, ao fim e ao cabo, acabam servindo apenas para deixar mais claro que a legislação eleitoral brasileira é feita mais para garantir vantagens aos políticos do que para preservar a decisão do eleitor. Um dos exemplos mais gritantes dessa realidade é a quantidade de partidos aptos a disputar as eleições. Desde que o PSL se juntou ao DEM para fundar a União Brasil, em fevereiro passado, a quantidade de partidos em funcionamento no Brasil foi reduzida de 33 para 32 agremiações.
O número absurdo. Aos olhos do eleitor, ao invés de expressar a diversidade ideológica que os legisladores utilizaram como justificativa para flexibilizar as exigências para a formação de novos partidos, esse número assustador de legendas tem outra finalidade. Ele apenas dá a dimensão do oportunismo de políticos que se aproveitam da legislação para ter acesso ao dinheiro público que alimenta as máquinas partidárias no país.
“VIM PARA CONFUNDIR” — A janela partidária e os critérios flexíveis para a criação de partidos são alguns exemplos de leis criadas com a justificativa de beneficiar a sociedade, mas que, na prática e com a ajuda de mecanismos criativos, acabaram gerando vantagens ainda maiores para os políticos. Há outros. Um deles é o das normas introduzidas na lei com a intenção de dar credibilidade às pesquisas eleitorais e, assim, dar ao cidadão mais segurança na hora de escolher seus candidatos com base na opinião da maioria. O mecanismo, criado pela Lei nº. 9.504, está em vigor desde as eleições de 1998. Por ele, as pesquisas de opinião eleitoral precisam ser informadas à Justiça Eleitoral e, além disso, respeitar um conjunto de procedimentos que deem transparência metodológica, credibilidade ao resultado e segurança ao eleitor.
Até aí, tudo bem. A questão é que, sem burlar a lei e seguindo ao pé da letra todos os mecanismos previstos, uma série de levantamentos que têm sido divulgados com vistas às eleições deste ano apresentam números tão discrepantes entre si que, ao invés de esclarecer, acabam colocando mais dúvidas na cabeça do eleitor. Dois deles vieram à tona na semana passada.
Sem a intenção de lançar qualquer dúvida sobre a seriedade dos institutos que os produziram e muito menos sobre os candidatos que despontam entre os favoritos nesses levantamentos, as pesquisas merecem ser comparadas com atenção. A primeira delas, do instituto Prefab Future, mostra o ex-governador Anthony Garotinho (União Brasil) com 12,5% das preferências eleitorais, em segundo lugar. Marcelo Freixo (PSOL), aparece em primeiro, com 15,4%. O governador Cláudio Castro é o terceiro, com 11%. Como a margem de erro é de 2,83%, esses números significam, na prática, empate técnico. O número de entrevistados foi de 1.243.
O outro levantamento que chamou atenção na semana passada foi o do Instituto Quaest. Os resultados são igualmente surpreendentes — porém, sem qualquer semelhança com os do Prefab Future. Por eles, Rodrigo Neves (PDT), ex-prefeito de Niterói, aparece em terceiro lugar, com 10% das intenções de votos. À frente dele estão Castro, com 22% e Freixo, com 18%. Foram entrevistados 1.200 eleitores.
É interessante observar que, a despeito de qualquer diferença de metodologia, os dois levantamentos foram realizados mais ou menos nos mesmos dias e abrangem o mesmo eleitorado. A hipótese de um deles (não importa qual) estar certo significa, obrigatoriamente, que o outro está errado. O mais provável, pelo que tudo indica, é que ambos estejam inspirados nos ensinamentos de Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Comunicador nato, o Velho Guerreiro costumava dizer que “eu não vim para explicar; vim para confundir”!
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CALENDÁRIO ELEITORAL — Mais uma vez, é bom insistir nesse ponto, não está sendo lançada aqui qualquer dúvida sobre a seriedade nem sobre a competência dos institutos e dos profissionais que os integram. Mas, como já foi dito neste espaço mais de uma vez, pesam sobre os políticos brasileiros e seus assessores as mesmas exigências que pesaram sobre a mulher de César. Como registra a história, a ela não bastava ser honesta. Ela tinha que parecer honesta.
A pergunta se se fazer diante disso é: quem pode tirar proveito desses números? Por qualquer lado que se observe, a resposta a essas dúvidas está nos próprios resultados dos levantamentos. No primeiro caso, o beneficiário é Garotinho. No outro, quem sai ganhando é Neves. O detalhe é que nem o nome de Garotinho é mencionado na pesquisa em que Neves aparece em terceiro nem o de Neves está presente no levantamento em que Garotinho surge em segundo... O que eles podem ganhar com isso? Ou ainda: que vantagem eles dois ou qualquer outro que se beneficie do mesmo expediente pode levar ao aparecer com destaque em pesquisas que parecem não refletir a realidade?
Falando, mais uma vez, por hipótese, é preciso prestar atenção no calendário eleitoral. Embora ainda não estejam no radar do eleitor, as eleições estão próximas o suficiente para que os candidatos definam o papel que pretendem desempenhar. Os apoios estão sendo definidos, as chapas ainda estão sendo compostas e, nesse cenário, isso pode significar, inclusive, o loteamento prévio da máquina pública.
Candidatos que surjam com dois dígitos nas pesquisas podem não estar entre os favoritos em outubro, mas demonstram desde já um potencial de atração de votos suficiente para justificar sua presença numa coligação. Em troca do apoio ao um nome mais viável eleitoralmente, eles poderiam ganhar a posição de vice numa chapa favorita ou até mesmo a promessa de controlar alguma secretaria endinheirada.
A intenção, ao fazer esse tipo de comentário, não por em dúvida os procedimentos nem as armas que os políticos utilizam para fazer valer suas posições num cenário partidário tão complexo e confuso quanto o brasileiro. Se o número de partidos não fosse tão grande e se não houve entre as 32 agremiações habilitadas a disputar eleições tantas legendas de aluguel, talvez houvesse mais clareza nos processos de definição das candidaturas e ninguém precisasse lançar mão de artimanhas para se firmar no cenário. A realidade, porém, não é essa.
Cabe, portanto, ao eleitor — única e exclusivamente ao eleitor — a tarefa de julgar a credibilidade das pesquisas e decidir se se deixará influenciar por resultados que parecem fajutos. Como já foi dito aqui mais uma vez, passou da hora do cidadão ser um pouco mais egoísta e colocar seus próprios interesses adiante dos projetos desse ou daquele candidato. E, assim, fazer suas escolhas sem se deixar levar por argumentos que, sinceramente, caem ao primeiro confronto com a realidade.