O Brasil tem sido palco de tantas operações policiais que ninguém mais se espanta ao ligar a TV pela manhã e receber a notícia de que algum político foi visitado pelos agentes da lei. No Rio de Janeiro , então, isso tem sido rotina.
Na semana passada, três figuras centrais da política municipal estiveram na mira de ações que podem ter interferência nos resultados das eleições de novembro. O ex-prefeito Eduardo Paes
, líder das pesquisas, o prefeito Marcelo Crivella
, candidato à reeleição, e a ex-deputada Cristiane Brasil
, que também disputará a corrida, foram os “alvos” dessas operações.
Ter três candidatos à prefeitura na mira de operações rumorosas justo no momento em que a campanha eleitoral começa a dar os primeiros sinais de vida é grave. Por um lado, isso pode indicar o esforço saudável da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Civil de separar o joio do trigo antes que o eleitor tenha que ir às urnas escolher seu candidato.
Por outro, pode se tratar, como disseram os três candidatos alcançados pelas operações, de uma tentativa de se apoiar nas ferramentas legais para manchar suas imagens e, com isso, interferir indevidamente no processo. Os especialistas dão a esse movimento o nome de lawfare — que, numa tradução livre do inglês, significa “guerra jurídica”. O uso excessivo desse recurso é nocivo e dá ao eleitor a impressão de que a política é, em si, uma atividade espúria.
Gotham City
Ninguém ignora que o Rio de Janeiro se tornou, nos últimos anos, terreno fértil para mal feitos praticados por políticos. É como se vivessemos numa espécie de Gotham City, onde todos fazem o papel do Coringa, do Pinguim ou do Charada — mas nunca aparece um Batman para por ordem na casa.
Não há como negar: a corrupção existe. Mais do que isso, ela parece ter se tornado endêmica na administração pública e seria ótimo que houvesse uma força capaz de coibir os abusos e corrigir as irregularidades . Isso seria digno de aplausos.
O Ministério Público e a Justiça têm enfrentado o problema e é impossível não reconhecer que era muito mais fácil ser corrupto num passado recente do que nos dias atuais. O problema é que, em alguns casos, fica a impressão de que as operações têm motivações que não se resumem a averiguar irregularidades e punir desvios de conduta. Elas revelariam, na verdade, a intenção deliberada de interferir no resultado eleitoral.
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Isso é perigoso. Entregar nas mãos da Justiça
o poder, que é do povo, de escolher quem serão os governantes é o mesmo que entregar ao povo o poder, que é da Justiça, de decidir sobre a culpa ou a inocência dos acusados. A impressão inicial, num caso e no outro, pode ser reconfortante, mas o resultado final costuma ser desastroso.
A imagem que fica, com tanta operação policial mirando políticos, é a de que não existe uma única pessoa competente e honesta o bastante para governar a cidade e o estado. Nesse caso, a solução para os problemas políticos do Rio precisam ser buscados fora da política — e essa decisão pode produzir a equívocos enormes. Basta olhar, por exemplo, para o caso do governador afastado Wilson Witzel.
Durante a campanha que o elegeu, ele foi beneficiado por uma operação policial desferida contra seu principal adversário, o mesmo Eduardo Paes que agora disputa a prefeitura. No final, nada ficou provado, mas a Inês, então, já era morta. Witzel, se elegeu como o ex-juiz federal “de fora da política”, que colocaria o estado nos eixos, hoje precisa se defender de acusações parecidas com aquelas que, durante a campanha, ele lançava contra os adversários.
Intenção deliberada
Os atingidos só se tornarão inelegíveis caso venham a ser condenados em segunda instância. Por enquanto, o que existe contra eles são “indícios” e é justamente isso que abre espaço para dúvidas. Os fatos sob investigação, no que diz respeito a Paes e Cristiane Brasil, são antigos, de 2012. Ou seja, houve tempo de sobra para se apurar as suspeitas antes que os dois se lançassem candidatos à prefeitura.
Pode-se dizer em favor dos investigadores, que o caso de Paes tramitava no STF e só passou a ser da competência da Justiça estadual em maio de 2019 — e que os documentos do processo só chegaram ao Ministério Público estadual em maio deste ano. Ainda assim, dada a relevância do caso, não há justificava razoável para a operação só ter acontecido na semana seguinte à oficialização da candidatura.
O mesmo raciocínio se aplica ao caso de Crivella. Se há, como garante o MP, indícios de “um suposto QG de propinas” montado na prefeitura, por que agir só depois da oficialização da candidatura à reeleição? E, mais do que isso, dois dias depois da operação que mirou seu principal adversário? São, obviamente, dúvidas para as quais a Justiça e do Ministério Público precisam ter respostas convincentes, sob risco de atrair descrédito para suas ações.
Neste momento, seria nocivo para o próprio sistema de investigação se ficasse comprovada a intenção deliberada de interferir no único momento em que um cidadão, independentemente de posição social, credo, raça ou grau de instrução, tem exatamente o mesmo peso do outro. Esse momento, claro, é o instante decisivo em que, protegido pelo sigilo da cabine de votação, ele escolhe quem ele deseja que o governe pelos quatro anos seguintes.
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