Especializado em música, o jornalista João Pimentel lançou, no fim do ano passado, o livro "Mordaça", escrito em parceria com Zé McGill. Os 29 capítulos são resultado de entrevistas exclusivas que jogam luz sobre o mecanismo de censura instaurado no Brasil a partir da edição do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que determinou o fechamento do Congresso, o fim de habeas corpus em casos de segurança nacional e criou um setor para proibir manifestações do pensamento tanto nas artes como na imprensa.
Em entrevista, Pimentel compara o clima de 1968 aos tempos atuais: "Quando o mundo avança, vai haver alguém na frente dizendo 'daqui não passa'".
Como você relaciona o livro com o momento atual?
PIMENTEL: Na sua entrevista, o Gilberto Gil diz que teria medo se os filhos e netos passassem pelas mesmas experiências, de luta armada, prisão, exílio. Não chegamos a isso. Mas os movimentos reacionários sempre existiram. Quando o mundo avança, seja nas questões sociais ou de minorias, vai haver alguém na frente dizendo "daqui não passa". No entanto, sou otimista, como o Gil: a seta do mundo é para a frente. Não adianta querer barrar o caminho natural das coisas.
O livro nasceu com os 50 anos do AI-5, mas foi finalizado em um momento em que ele chegou a ser "celebrado" por alguns setores. Como você vê essa relação?
Certamente nossa escrita foi influenciada. No começo, pensávamos em ter um capítulo sobre Gonzaguinha, por exemplo, mas chegamos à conclusão de que precisávamos nos concentrar em quem está vivo, para poder contar suas experiências. A maior geração da nossa música passou por esse período, e eles tinham que sair de casa com suas letras para submetê-las a pessoas toscas, que viam subversão em tudo. O Edu Lobo teve uma música instrumental censurada porque se chamava "Casa grande". O Ivan Lins foi chamado para explicar o que era a palavra "zmei", um erro de digitação — mas o sujeito cismou que era uma linguagem cifrada. Havia muita paranoia.
E hoje? Vivemos em uma era paranoica?
Sim. Vivemos em uma época não de censura institucionalizada, e sim de uma censura velada, porém agressiva. São formas diferentes de terror. Em uma, o Estado podia fazer o que quisesse com você. Essa outra é o terror cibernético: amanhã alguém pode me detonar, me ameaçar, ou divulgar o meu endereço, o nome da minha mãe.
Como é a evolução da censura no Brasil?
A censura é anterior à ditadura militar. Ela vem desde sempre, na verdade: já existia na República Velha, e foi intensificada durante o getulismo, com músicas sendo cortadas. Ao longo do tempo, ela mudou. Era uma censura moralista em determinado momento, e, na ditadura, se tornou absolutamente política, de enfrentamento à esquerda. A partir da reabertura, volta a ter um fundo mais moral, com a proibição de faixas do rock dos anos 1980. E, recentemente, o Planet Hemp e o B Negão foram reprimidos. Mesmo quando não existe censura oficialmente, ela está lá. A Joyce conta que foi a uma festa com a neta, onde ouviu músicas com conteúdo pesadíssimo. E ela, sendo uma mulher libertária, se viu pensando sobre as referências morais e o limite da liberdade de expressão. Será que realmente pode tudo? É isso que deveríamos discutir, não a volta do AI-5.
A arte é sempre política?
Acho que é essencialmente política, porque não deixa de ser uma tomada de posição da sua visão das coisas diante do mundo. Obviamente há os mais ou menos engajados. Em 1968, essa discussão era muito forte. Os músicos de protesto achavam que o tropicalismo era alienado, mas depois acabaram entendendo que havia um inimigo em comum lá na frente, que queria acabar com os dois.
O que é pior: a censura institucionalizada ou a forma atual?
É claro que o momento em que as pessoas são presas e torturadas é pior. Mas me entristece ver que, 50 anos depois, há tentativas de trazer isso de volta. Ainda mais lendo as histórias de pessoas que tiveram que sair do país, deixando tudo para trás. Quem tem saudade desses tempos fala da boca para fora, sem conhecer o que de fato aconteceu. O maior inimigo do governo autoritário é o pensamento.