Nosso foco aqui é o Supremo Tribunal Federal, que decidiu, a exemplo dos políticos, também cuidar da sua imagem
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Nosso foco aqui é o Supremo Tribunal Federal, que decidiu, a exemplo dos políticos, também cuidar da sua imagem


Os políticos sempre buscam transmitir ao público – na verdade ao eleitorado – uma determinada mensagem. Quem não se lembra de Collor, o "Caçador de Marajás", e que, uma vez presidente, se exercitava publicamente, sempre usando uma camiseta com uma mensagem?

Nos anos 1960, Jânio Quadros comia sanduíche de mortadela sentado no meio-fio. E até hoje vemos políticos, especialmente em tempos de campanha, procurando passar a imagem de que são do povo, gente trabalhadora, simples. Mas esse texto não trata disso.

Nosso foco aqui é o  Supremo Tribunal Federal,  que decidiu, a exemplo dos políticos, também cuidar da sua imagem. Assim, o Supremo vai contratar um serviço de rastreamento das redes sociais para checar menções à Corte. Publicado o edital de licitação (pregão) no último dia 14 de junho, a descrição de seu objeto é auto-explicativa:

"Contratação de empresa para a prestação de serviço de monitoramento online e em tempo real da presença digital do Supremo Tribunal Federal (STF) em redes sociais, com a entrega de alertas (enviados por mensagem instantânea), relatórios analíticos (diário, semanal e mensal com análise quantitativa e qualitativa), boletins eventuais e elaboração de plano mensal de ação estratégica para atuação em redes sociais."

Há algum problema na iniciativa? Sim, há. O Poder Judiciário, e o Supremo Tribunal Federal de modo especial, é um poder contra-majoritário. Diferente de Executivo e Legislativo, cujos integrantes são escolhidos pelo povo, os integrantes do Judiciário não são escolhidos pelo voto popular e não devem, em sua atuação, "fazer a vontade do povo", mas julgar de acordo com as leis e demais fontes do direito.

No edital consta que o STF quer saber como está a sua imagem perante a opinião pública, com uma classificação dos registros em “positivo”, “negativo” e “neutro".

Ora, quando o STF se preocupa em saber como está a sua imagem nas redes sociais, passa a ideia de que, tal como um político em campanha, quer moldar a sua atuação de maneira a "ficar bem na fita". Mas se é um poder contra-majoritário, esse não deveria ser o seu foco.


Outro problema, mais preocupante, é a ideia de que quem julga, e julga de modo definitivo, irá "monitorar" as menções ao seu nome nas redes sociais. Contudo: monitorar como? Monitorar quem? Monitorar por quê? O que será feito com esses dados? E quem não quiser ser monitorado?

Inclusive, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD estabelece uma série de responsabilidades e ações relativas àquele que coleta, armazena e transita informações, seja em meio público, virtual ou eletrônico, seja em seus bancos privados de dados. O STF, espera-se, tem consciência disso, mas a dúvida sobre por que atraiu essa responsabilidade para si e por que quer coletar e armazenar esses dados permanece.

Outro ponto é que o STF, a partir de seu próprio serviço de monitoramento pode, eventualmente, querer responsabilizar pessoas ou entidades por disseminarem notícias falsas, distorcidas e mesmo negativas a seu respeito. Assim, o monitoramento se converteria, na verdade, em uma investigação, algo também a ser evitado em especial pelo mais elevado tribunal do país.

De fato, no edital consta: "a plataforma digital da contratada deverá identificar públicos, formadores de opinião, discursos adotados, georreferenciamento da origem das postagens, bem como avaliar a influência dos públicos, dos padrões das mensagens e de eventuais ações organizadas na web”. Identifica-se no texto a clara intenção do STF de investigar de modo antecipado, no particular tema do "monitoramento", que é amplo, é detalhado, é profundo. E, no contexto, é abusivo.

As Supremas Cortes do mundo todo devem sempre aplicar para si mesmas o princípio do "self-restraint", ou seja, a auto-contenção. Isso é especialmente importante porque, em se tratando de órgãos de cúpula, são a última palavra para todos os temas a elas endereçados. Daí porque, em algumas ocasiões, uma Suprema Corte deve abster-se por auto-contenção de realizar certas ações. E o monitoramento aqui comentado parece ser bem o caso do STF dizer: posso fazer, mas não devo fazer.

Para quem quiser acessar mais material meu e de outros pesquisadores, deixo aqui o  link do Instituto Convicção, do qual faço parte.

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