Desde a infância, minha curiosidade se pautava em compreender o motivo por trás das decisões humanas. Esta indagação me levou a escolher a economia como campo de estudo na vida adulta, incentivado pela visão de um amigo que descreveu a economia como a ciência das decisões.
Contudo, percebi logo no primeiro semestre que essa definição é traduzida em funções matemáticas. De fato, a economia investiga como as decisões deveriam ser tomadas, sob um conjunto de suposições, incluindo a ideia de que os seres humanos agem de maneira racional.
O conceito de que a economia deve sofrer ajustes tornando-a mais realista em relação a como as pessoas realizam julgamentos, começou nos anos 70 em Israel, quando o titã Daniel Kahneman, psicólogo cognitivo, e seu então parceiro Amos Tversky, começaram a criar as fundações para o que mais tarde foi denominado como Economia Comportamental.
Esta vertente da economia analisa como as pessoas de fato tomam decisões baseadas em experimentos em que as pessoas devem fazer escolhas, e tenta entender o processo cognitivo que os levou a esta decisão. Como exemplo, ao girar uma roda com números aleatórios, e subsequentemente perguntar quantos países tem no mundo, o número médio de países é influenciado pelo número que saiu na roda. Este é o princípio da ancoragem.
Kahneman e Tversky também exploraram profundamente como as pessoas usam atalhos mentais, conhecidos como heurísticas, para fazer julgamentos e tomar decisões. Embora esses atalhos possam ser úteis, eles também podem levar a vieses cognitivos sistemáticos. Por exemplo, a "heurística da disponibilidade" descreve como as pessoas tendem a avaliar a frequência ou probabilidade de um evento com base na facilidade com que exemplos vêm à mente, o que pode ser influenciado por quão recente ou emocionalmente impactante é uma experiência.
Imagine que você assista a notícias sobre ataques de tubarão nas praias durante o verão. Essas histórias são frequentemente dramáticas e recebem muita atenção da mídia. Devido à cobertura intensa e à facilidade com que essas imagens e histórias vêm à mente, você pode superestimar significativamente a probabilidade de ataques de tubarão. Quando chegar a hora de planejar suas férias na praia, você pode se sentir mais inclinado a evitar nadar no oceano, temendo um ataque, apesar da probabilidade extremamente baixa de tal evento ocorrer. Esse fenômeno ocorre porque a disponibilidade mental dos ataques de tubarão os torna mais salientes em sua mente, influenciando assim sua percepção de risco, independentemente dos dados estatísticos reais que mostram que tais incidentes são raros.
“Sistema 1” e “Sistema 2”: Em sua obra "Pensar Rápido e Devagar", Kahneman apresenta a ideia de que o pensamento humano opera em dois sistemas. O “Sistema 1” é rápido, intuitivo e emocional, responsável por reações imediatas e decisões rápidas sem muito esforço consciente. O “Sistema 2” é mais lento, deliberativo e lógico, envolvido em pensamento analítico e decisões que requerem mais esforço e consciência. Kahneman argumenta que embora o “Sistema 1” seja útil para navegar rapidamente pelo dia a dia, sua dependência pode levar a julgamentos precipitados e erros.
Outro conceito importante explorado por Kahneman é o enquadramento, que se refere à maneira como a apresentação de informações influencia a percepção e a decisão das pessoas. Imagine que um supermercado promova um produto com o seguinte enunciado: "85% livre de gordura". Esse enquadramento tende a atrair consumidores buscando opções saudáveis, focando na porção do produto que é livre de gordura. No entanto, se o produto fosse apresentado como "contém 15% de gordura", apesar de ser a mesma informação, a percepção seria negativamente alterada para muitos consumidores, pois o foco recai sobre o conteúdo de gordura.
No dia 27 de março deste ano, Kahneman faleceu aos 90 anos, deixando uma herança de conhecimento que deu início a um dos ramos mais fantásticos da ciência, a junção de economia e psicologia cognitiva. Seus ensinamentos ressignificam o uso do marketing, nos ajudam a precificar produtos, a evitar erros de julgamento, a incentivar atos de caridade, a desenvolver políticas públicas coerentes, entre muitos outros benefícios.
Livros como “The undoing project”, “Misbehaving: The Making of Behavioral Economics”, “Nudge” trazem de forma popular os ensinamentos do Professor Kahneman para que todos aprendam como tomar melhores decisões em suas vidas. Discípulos como Richard Thaler, o às vezes criticado Dan Ariely, Dilip Soman entre muitos outros, continuam avançando em cima do legado de Kahneman.
Hoje você tem a opção de tomar uma decisão especialmente racional em sua vida: conhecer as incríveis descobertas deste extraordinário cientista.