Propaganda enganosa: Bacharelado em Administração
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Propaganda enganosa: Bacharelado em Administração


Meu sobrinho está concluindo a etapa escolar este ano e, durante um jantar, consultou-se comigo, sobre a possibilidade de estudar para o bacharelado em administração de negócios. 

Minha experiência me ensinou que as habilidades mais importantes para gerir empresas são: saber vender, comprar, contratar, entender o produto, resolver problemas e contar boas histórias, o que constitui a essência de liderança e bom relacionamento com fornecedores, colaboradores e clientes. Em meus vinte e seis anos de carreira, não conheci nenhum recém-graduado que possuísse conhecimento nessas; sempre fica a cargo do empregador treinar e/ou do funcionário em adquirir este conhecimento. 

A ChatGPT estima que são dezenas de milhares de universidades no mundo que oferecem o tradicional bacharelado em administração de empresas. O que isso quer dizer? Que a capacidade da sociedade de criar um modelo, replicá-lo e fazer com que milhares de pessoas passem por um sistema padrão sem nenhum mecanismo de feedback para reavaliá-lo e melhorá-lo, na minha percepção, contradiz a narrativa que os homo sapiens são seres racionais. 

O sentimento daquele que se inscreve neste bacharelado é absolutamente claro: terá habilidades para ser gestor de um negócio, ou, ao menos, terá fortes fundamentos. O nome engana, e o mesmo indivíduo não tem maturidade e conhecimento para questionar a importância do conteúdo ministrado. 

Este bacharelado possui cursos extremamente interessantes, como estatística, economia, marketing, recursos humanos, finanças, contabilidade, entre muitos outros, todos ensinados em nível introdutório. Na prática, o profissional não adquire nenhum conhecimento prático.

Em contraste, alguém que estuda economia, engenharia e medicina está lidando com algo bem mais específico, ensinado com maior profundidade. O jovem que estuda administração começará sua carreira em um departamento, e todo o conhecimento universitário prático que traz é, no máximo, um único curso introdutório a respeito daquelas funções, como exemplo Recursos Humanos. 


Existem avanços. Muitas instituições de ensino, geralmente as particulares, já contam com professores experientes que conseguem criar a ponte entre teorias genéricas e a prática, e como isso se aplica na realidade. Também foram criados novos bacharelados, como Gestão de Produto, curso que permite se aprofundar em um tema tão importante quanto o produto e serviço que a empresa vende - o que dificilmente é encontrado no curso de administração. Existem algumas instituições que realizam “jogos” para simular situações reais, e o modelo de “caso de negócios” de Harvard, eventualmente pode ser encontrado em algumas delas. 

O modelo atual, que foi criado nos EUA no final do século 19, tem que ser revisto, remodelado e ter seus resultados mensurados. Os consumidores deste produto, jovens adultos, não têm ferramentas para se indignar e agir. A sociedade, empresas, executivos e empresários terão que se manifestar, ou continuaremos a desperdiçar dinheiro, tempo e potencial produtivo.

Talvez seja preciso ter um currículo básico com especializações como acontece com muitas outras matérias como engenharia e medicina. Temas  como vendas, compras, contratação, resolução de problemas e produtos devem fazer parte do currículo básico. Outras disciplinas como estatística, finanças e contabilidade devem ter um aprofundamento considerável. Acredito que seja importante introduzir simulações  e “casos de negócios”, e, quando possível, algo semelhante à residência médica. Outras matérias devem fazer parte de uma especialização, serem transferidas para o MBA, ou tornarem-se cursos optativos. Em resumo, menos variedade e mais especialização. 

No que diz respeito ao storytelling, creio ser mais polêmico. Imagine a reação de um(a) jovem, em plena transformação hormonal, irradiando energia, sonhos e muita vontade de colocar a mão na massa, ter que aprender em paralelo a todas as matérias já citadas, história e literatura. Hoje, chegando a quase 30 anos de experiência profissional, dez delas como alto executivo de multinacionais, considero isso fundamental. 

A prova mais simples seria observar grandes líderes e perceber que todos são fissurados por leitura. Benjamin Franklin, Bill Gates, Shimon Peres, Barack Obama, entre muitos outros, são exemplos disso. Pessoas que não lêem tem comunicação escrita limitada, o que já é fundamental em uma média organização e muito mais hoje, quando pequenas empresas têm funcionários em vários países. Quem não lê enfrenta dificuldades na articulação verbal em reuniões e eventos empresariais. A leitura relaxa, melhora a criatividade, ensina sobre pessoas, permite viajar pelo mundo e pelo tempo de forma bem econômica, possibilita adquirir habilidades a partir dos erros e acertos de outros, melhora o sono e a capacidade de concentração, nos torna mais maduros, ajuda a criar diversidade de ideias, entre tantos outros benefícios, e acima de tudo, nos afasta das redes sociais, as quais, muitos estudos publicados mostram, conseguem exatamente o contrário. 

Está na hora de realizar um upgrade no ensino de administração no Brasil (e no mundo). Qual é a melhor forma de fazer isto acontecer? Como disse a professora que abriu o primeiro curso no bacharelado em administração, “Hoje vamos aprender sobre oferta e demanda”.  #Fica-a-dica. 

*Artigo originalmente publicado em Inglês no Minerva Thinking

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