Era perto das nove da noite quando a família de Bruno* recebeu uma mensagem do patriarca da família moradora de Goiânia. Por áudio, o pequeno empresário, dono de uma loja no centro da cidade, avisou os filhos e pediu ajuda. "Estou preso e preciso de ajuda, o Exército nos traiu e os patriotas estão sendo presos", avisou. A mensagem deixou todo mundo nervoso na família e, a partir daí, iniciou-se uma romaria para tentar tirar o homem de 63 anos da cadeia.
Bruno é de família classe média e herdou a loja de roupas do pai na capital de Goiás. Eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002, o empresário abraçou Jair Bolsonaro (PL) ainda em 2014, quando o político começou a ganhar destaque na mídia. Nas eleições de 2018, rompeu com parte da família que continuou petista e fez campanha para o então candidato.
Desde a vitória de Bolsonaro, Bruno se sente uma espécie de "robô" do ex-presidente e espalhou fake news nos quatro anos de mandato. Ele administra diversos grupos de WhatsApp e tantos outros canais no Telegram. "Eu costumava atingir 200 mil pessoas por dia, mas não gostava de gravar vídeo não", diz em entrevista exclusiva com a coluna.
Foram dias e dias de negociação antes dele topar conversar sobre o acontecido no dia 08 de janeiro, quando milhares de golpistas invadiram a Praça dos Três Poderes, pedindo um golpe de Estado e acabaram presos . "Fiquei decepcionado com o Exército e com o capitão, mas não acredito na mídia que é mentirosa e vendida", afirma. Na negociação, o empresário bolsonarista chegou a questionar quanto a coluna receberia do governo de Lula para a entrevista, mostrando a desconexão com a realidade.
"Eu decidi ir para Brasília no dia 08 depois de receber informações para repassar nos meus grupos. A ideia era fazer uma manifestação pacífica exigindo que o ladrão fosse destituído do cargo", explica. O empresário revela que poderia ter ido de carro próprio ou avião, mas preferiu ir em um ônibus, cedido gratuitamente graças a uma vakinha feita por empresários da cidade. "Eu também ajudei a pagar, investi perto dos R$ 10 mil para ajudar a levar vários patriotas. Era tudo ou nada", garante.
A coluna questionou se pedir Intervenção Militar não é um golpe de Estado e o bolsonarista tenta se explicar. "Golpe é tirar o Lula da cadeia e levar para a presidência. Mas não quero mais pensar nisso porque o sistema é todo corrompido, até o Exército se vendeu", lamenta. Ao voltar a falar sobre o fatídico dia, Bruno se explica.
"Chegamos lá no dia 07 e decidimos acampar. Logo na manhã do domingo fomos marchando até o Congresso e o clima era de euforia porque contamos com o apoio dos militares, que fizeram uma espécie de escolta", lembra satisfeito. Bruno explica que não sabe o momento em que a destruição começou. "A ordem era ser pacífico, mas de repente tudo saiu do controle. Eu vi diversas pessoas do meu ônibus quebrando tudo e corri para o STF, estava com a adrenalina em alta", conta.
Bruno não responde se fez parte da destruição, provavelmente por medo de gerar provas contra si. "O STF ficou todo quebrado e isso deveria servir de reflexão. Por que patriotas, trabalhadores e não vagabundos, quebraram tudo lá? Ninguém se pergunta?", diz ao tentar filosofar. "O Supremo traiu o povo brasileiro e a gente deu o troco", garante.
No fim da tarde, Bruno foi levado para um ônibus. "Eles disseram que iriam nos cadastrar e liberar para cada um voltar para sua cidade. Mas nos enganaram e fomos presos, só descobri isso quando cheguei no lugar da triagem", conta emocionado. O empresário revela que ficou horas sem conseguir falar com ninguém porque seu smartphone acabou a bateria, mas no fim de noite um amigo lhe emprestou um aparelho.
"Falei com meus filhos e implorei por ajuda", diz. Bruno ficou preso por dois dias antes de ser liberado para voltar a Goiânia. A família já havia conseguido um advogado que pouco pôde fazer, mas voltou de carro para Goiânia. "Meus filhos e netos me receberam muito bem e ninguém deu sermão nem nada. Estavam todos aliviados porque voltei para casa em segurança".
Quase um mês depois do ocorrido, Bruno está arrependido. "Nunca mais vou fazer um negócio desses na vida. O Brasil acabou porque as Forças Armadas não quiseram nos salvar. O Bolsonaro acabou porque é um fujão", diz revoltado antes de completar. "Vou cuidar dos meus netos e da minha empresa da melhor forma possível. O Brasil acabou", finaliza.
* Bruno é um nome fictício que, a pedido do entrevistado e da família, teve sua identidade real preservada.
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