A que ponto chegamos naquela cidade que já foi a mais bonita do mundo pelos seus encantos naturais. Não há beleza que suporte tanta violência, medo, opressão, desigualdade e omissão por parte do Estado. É muito significativo que o Rio de Janeiro seja o berço e o estuário dos Bolsonaros. Com 65% do território ocupado pelas milícias , o terreno para o crescimento e fortalecimento do fascismo é propício e acolhedor. Sem contar que o tráfico comanda outros 15%.Ou seja, para os brasileiros honestos e trabalhadores, restaram, talvez, as praias e alguns monumentos turísticos. O Rio está dominado e é necessário reagir.
Como em tudo na vida, as pessoas e, por consequência, as cidades, os estados e os países têm, às vezes, oportunidades e devem fazer suas opções. Em 2008, o então deputado estadual Marcelo Freixo presidiu a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa. Com desassombro, mas com responsabilidade e conhecimento de causa. O relatório final da investigação pediu o indiciamento de 225 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis. E, tão importante quanto, apresentou 58 propostas concretas para o combate real da máfia das milícias, ressaltando a necessidade de cortar as fontes de financiamento das quadrilhas. Era a chance de fazer um enfrentamento que colocasse o Rio de Janeiro nos trilhos da civilização, abafando a barbárie.
Mas a escolha foi outra. O então deputado teve que deixar a cidade por um tempo, por questões de segurança pessoal e de sua família, e, ainda hoje, vive sob ameaça e escolta policial. Apesar das centenas de prisões de milicianos, após a CPI, os grupos criminosos se reorganizaram e venceram a guerra contra o estado e contra a Democracia.
A política se entregou, docemente, nos braços da milícia. Nos últimos anos, seis Chefes do Executivo do Rio enfrentaram sérios problemas na justiça; sendo que cinco foram presos e o último foi afastado do cargo. É relevante e impressionante constatar que todos os governadores eleitos que estão vivos foram presos ou afastados. Apenas Nilo Batista e Benedita Silva, que ocuparam o cargo de governador, mas foram eleitos vice-governadores, não respondem a processo judicial.
E, nesse período, a família Bolsonaro fez do estado sua peça de resistência para alçar voos nacionais. Não é possível que o Brasil assista, de braços cruzados, a ocupação bandida de um ente federativo tão importante. Agora, estamos passando por um confronto a céu aberto com ataques criminosos e terroristas dos milicianos. Em apenas um dia, foram incendiados 35 ônibus na Zona Oeste do Rio . É intrigante perceber, nos vídeos que circulam na internet, que os veículos são incendiados ao lado das vans - preservadas, pois são exploradas pela milícia. A insegurança tomou conta da população.
No meio desse caos, vem à tona que o governo do estado optou, desde a gestão do Witzel, por não ter Secretaria de Segurança Pública. Criaram-se, então, duas secretarias: a da Polícia Civil e a da Polícia Militar. Para os especialistas, não há nenhum planejamento sério de políticas públicas na área, o que faz com que, em pastas tão estratégicas, muitas decisões são tomadas sem critérios técnicos. E como elas não interagem entre si, até o Supremo Tribunal Federal teve que intervir e estabelecer um plano de controle de letalidade policial, pois as chacinas corriam soltas na administração do atual governador, Cláudio Castro. Um filme de terror competindo com o massacre na Faixa de Gaza .
Como quase todo mineiro, sou apaixonado pelo Rio. Quem cresce protegido pelas montanhas de Minas sente falta da imensidão do mar. Quando recebi o título de cidadão carioca, pude falar da tribuna, na Câmara dos Vereadores, na qual há uma placa homenageando Marielle Franco, e disse que me sentia como um rio que desce as terras montanhosas, entre curvas, para desaguar no mar daquela cidade maravilhosa. Falei que precisávamos resgatar o Rio de Janeiro do jugo miliciano e bolsonarista. Ainda é tempo, mas tem que ser agora, antes que seja tarde.
Lembrando-nos do poeta mineiro Leão de Formosa: “Aperfeiçoa-te na arte de escutar, só quem ouviu o rio pode ouvir o mar”.
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay