"Cego é o que fecha os olhos e não vê nada.
Cego é quem só abre os olhos quando a si mesmo se contempla."
Mia Couto
"Pare o mundo que eu quero descer!" Esse é o único grito possível durante e depois da catástrofe do governo Bolsonaro. Após tantos descaminhos, o nível de agressão do Presidente da República com os poderes constituídos chegou ao extremo da baixaria. Agora, o irresponsável do cidadão que ocupa a Presidência resolveu agredir verbalmente, de forma vil, citando de maneira meio nonsense, o Ministro Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Até mesmo a canalhice tem que ter limites. A linguagem chula, vulgar e banal com que esse cidadão ofende o Judiciário, agora na pessoa do presidente do TSE, tem que ter pronta repulsa de todos, especialmente dos poderes constituídos. Não se pode aceitar outra postura do Judiciário e do Congresso Nacional.
A resposta do TSE foi técnica, dura, corajosa e, em certa medida, representa os milhões de brasileiros que foram ofendidos pelo poder bolsonarista.
Minha preocupação e reflexão é sobre a apatia da sociedade com os crescentes desmandos diários. O governo Bolsonaro saqueou a cultura, corrompeu o sistema de justiça, desmantelou o SUS e destruiu deliberadamente todas as conquistas civilizatórias dos últimos tempos. Vivemos numa terra plana, com um grupo que se posiciona pelo completo desprezo às garantias constitucionais. E com um presidente que tensiona diariamente as relações institucionais. É como se presenciássemos uma tentativa de golpe diariamente.
A postura agressiva beira a compulsão teratológica de uma pessoa emocionalmente desequilibrada. E que age, ao contrário do que muitos pensam, de maneira pensada e coordenada apostando no caos. Esse script é cuidadosamente trabalhado e programado. Ele se dirige a uma grande parte da população que continua a cultuar a barbárie. E só não efetivou a ruptura institucional por não ter forças para tanto.
Mas o Presidente Bolsonaro, que humilha a todos com suas sandices diárias, agora teve contra si um ato formal de extrema gravidade. Talvez por estarmos vivendo num mundo surreal, com abusos acumulados, nós esquecemos de dar o devido destaque a um procedimento que veio de um Tribunal Superior.
O TSE, por decisão de todos os seus membros, determinou o encaminhamento de notícia-crime contra o Presidente da República ao Supremo Tribunal Federal. Não há precedente de uma reação desse porte.
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Subam as cortinas. Acendam as luzes. Aplaudam de pé. Tal ato não pode ser tratado como uma atitude menor: é a sinalização em busca da preservação das garantias constitucionais.
E o mesmo TSE instaurou um inquérito administrativo para investigar os inúmeros atos abusivos e criminosos que são feitos para fraudar o sistema de justiça. Parece ser o começo de uma resposta do Judiciário à crise permanente que se instalou no país pela compulsão doentia do chefe do executivo em apostar no caos.
Resta à sociedade cobrar uma atitude do Congresso Nacional. É necessário que a política volte a coordenar o país. O distanciamento e o isolamento do Poder que representa, na sua essência, a democracia fragiliza a própria democracia. A história ensina que não existe vácuo de poder. O Judiciário está tendo que dar um passo de contenção dos abusos do Executivo que caberia, naturalmente, ao Legislativo.
Um julgamento pelo TSE que formalize esse basta aos desmandos, com a cassação da chapa presidencial, embora tenha respaldo constitucional, é um terremoto que pode abalar a estabilidade democrática. Para esses casos, a previsão constitucional é clara, embora também dramática e drástica, e o impeachment, de certa forma, já está incorporado à cultura brasileira.
Embora seja um risco banalizar um instituto tão grave, como é o do processo de afastamento do Presidente, mais arriscado é deixar sem resposta as inúmeras tentativas de ruptura institucional por parte do Presidente da República. Muito mais grave do que fazer um impeachment sem a existência de um crime, como no caso da ex-presidente Dilma, é não fazer a destituição de um presidente que age como um serial killer em matéria de crime de responsabilidade.
O Judiciário colocou a bola na marca do pênalti. Mas quem deve bater e marcar o gol é o Congresso Nacional. Como no haicai de Guimarães Rosa:
"O vento experimenta o que irá fazer com sua liberdade…"
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay