Falar de cannabis medicinal é desconstruir ideias preconcebidas e outras puramente falaciosas. A principal - e mais nociva ao debate - é a de que não há evidências científicas que comprovem o benefício da planta.
Historicamente, há registros de indicações terapêuticas da cannabis na China e no Egito antigo, que datam de 4.000 a.C.. O uso medicinal, tanto do canabidiol (CBD) quanto da substância delta-9-tetraidrocanabinol (THC), fazem parte de uma vasta literatura médica no mundo – e no Brasil, inclusive.
Aliás, o médico e pesquisador Elisaldo Carlini pesquisa os efeitos da cannabis na saúde das pessoas há mais de 50 anos. Nas décadas de 1970 e 1980, liderou em nosso país um grupo de pesquisa publicando mais de 40 trabalhos em revistas científicas internacionais. Os resultados subsidiaram o desenvolvimento no exterior de medicamentos à base de Cannabis que são utilizados em vários países do mundo, menos aqui.
E é assim que o mundo tem caminhado, garantindo o acesso à medicação para pacientes com Parkinson, Alzheimer, Epilepsia, dores crônicas, Esclerose Múltipla, Autismo, entre outras doenças que debilitam e tiram a qualidade de vida e, muitas vezes, a vontade de viver dos pacientes.
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A dor do brasileiro, no entanto, parece ser diferente da do restante do mundo.
Um levantamento publicado em 2017 pelo Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Drogadição (EMCDDA) apontou que ao menos 12 países ocidentais aprovaram leis para permitir o plantio de Cannabis com fins medicinais: Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Holanda, Israel, Jamaica, Reino Unido, República Tcheca, Uruguai e Estados Unidos (apenas em parte dos estados).
Desde a publicação do estudo, o cultivo da planta foi liberado - com diferentes restrições - em pelo menos mais seis países: África do Sul, Grécia, Lesoto, Peru, Portugal, Suíça e Tailândia, totalizando 19 países que autorizaram e regularam o plantio, produção, comercialização, fiscalização e tributação da Cannabis medicinal.
Não podemos ficar atrasados nesse sentido, na contra mão dos países desenvolvidos. Além de beneficiarmos milhares de pacientes brasileiros que necessitam desta terapêutica, podemos gerar mais empregos e renda e, em um futuro próximo, exportações. Esse não é anseio de “lobbystas” e “maconheiros”. A cannabis medicinal é uma pauta de saúde pública e que conta com o clamor popular.
De acordo com a recente pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, feita em parceria com meu gabinete, três em cada quatro brasileiros são favoráveis à cannabis medicinal. A maioria também acredita que medicamentos feitos a partir da cannabis devem ser distribuídos gratuitamente pelo SUS.
Fato é que hoje há um número considerável de plantios autorizados pelo Judiciário por falta de regulamentação. Um caminho perigoso que vai contra a proposta da Anvisa, que garante o acesso a quem precisa do remédio, com fiscalização e segurança, além de controle de produção, distribuição e receituário especial retido na farmácia.
Afirmar que trabalhar para viabilizar uma proposta desta envergadura e seriedade é o mesmo que liberar as drogas no país, além de se mostrar um argumento apelativo e sem fundamento, é um desserviço às famílias que há tempos lutam para desconstruir preconceitos e garantir o direito ao melhor tratamento. Isso inclui o direito de se tratar não somente com o CBD puro, mas com outros cannabinoides.
Há décadas a ciência tem se debruçado sobre isso e já reconheceu as propriedades de cerca de 70 tipos de cannabinoides. Trata-se de um campo em expansão, vislumbrado por nações que miram saúde e desenvolvimento.
Até quando vamos assistir a ciência de outros países evoluir na área da saúde, quando podemos, aqui, crescer economicamente e trabalhar para dignificar a vida dos brasileiros que têm dor?
Já estão mais que comprovados os benefícios da cannabis medicinal. O que falta hoje é uma dose de empatia de quem deveria trabalhar para melhorar de fato a vida das pessoas.