Nuno Vasconcelos
Daniel Castro Branco/Agência O Dia
Nuno Vasconcelos

A livre manifestação das ideias é um dos direitos mais sagrados em qualquer sociedade que mereça ser chamada de democrática. Todo e qualquer cidadão é livre para se expressar, se reunir e se associar — respeitadas, é claro, algumas circunstâncias que limitam esses direitos em situações extremas, como é o caso da atual pandemia de coronavírus.

Descontados, porém, casos específicos como esse, e sempre deixando claro que as opiniões políticas devem ser respeitadas em qualquer circunstância, é preciso ter claro um ponto fundamental. Vamos a ele: toda e qualquer manifestação pública em torno de qualquer ideia é um direito que a lei assegura ao cidadão e que o Estado, ao contrário de reprimir, tem a obrigação de respeitar e proteger. Ponto final.

Dito isso, e resguardado pelo mesmo princípio que assegura ao cidadão o direito de expor suas ideias em praça pública, afirmo que poucas vezes se viram manifestações mais inoportunas do que essas que estão programadas para o próximo 7 de Setembro. Pela importância e pelo significado da data, este que será o 199º aniversário da Independência do Brasil deveria ser um momento para que todos pusessem a mão na consciência e parassem para refletir sobre a situação atual.

É preciso, antes de mais nada, se dar conta da inconveniência de ir para a rua em nome de objetivos que, conforme fica mais claro a cada dia, começam e terminam na tentativa de trazer para hoje um debate eleitoral que deveria ser deixado para meados de 2022.

Em resumo, o que está previsto para acontecer no próximo dia 7 de Setembro é, nada mais, nada menos, do que uma tentativa de alguns grupos de antecipar esse debate — como se não houvesse no cenário político espaço para quaisquer ideias que não sejam as do presidente Jair Bolsonaro ou as do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sim. Tanto os que pretendem se aglomerar na próxima terça-feira na orla de Copacabana com a intenção de defender Bolsonaro quanto os que deverão se juntar no Centro do Rio, num ato tradicional que a esquerda promove há 27 anos, mas que desta vez se limitará a reforçar o coro contra o governo e a favor de Lula, estarão exercendo o direito legítimo e constitucional de expor seus pontos de vista.

Resta saber se o recado que cada um dos lados pretende passar será ouvido por alguém fora de seu próprio círculo. Também será preciso aguardar para saber como os milhões de brasileiros que não se decidiram pela candidatura de Bolsonaro nem pela de Lula avaliarão os acontecimentos do próximo 7 de Setembro.

SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS — Ninguém está dizendo, aqui, que não existam motivos para demonstrações de descontentamento. O país vive, sem dúvida, um momento delicado e a situação, conforme se diz por toda parte, “não está fácil para ninguém”.

A Economia, que vinha dando sinais de recuperação por três trimestres consecutivos, teve um recuo de 0,1% entre abril e junho deste ano. Levando em conta as avaliações mais otimistas, o melhor cenário possível para a Economia no final deste ano será o retorno ao mesmo nível em que estávamos no final de 2019 — antes que a pandemia surgisse e empurrasse o país para o momento mais difícil de sua história recente.

Erros, é claro, foram cometidos em Brasília de 2019 para cá — e é mais do que compreensível que os opositores do governo tentem se apoiar neles para obter algum proveito eleitoral mais adiante. Da mesma forma, é compreensível que os defensores de Bolsonaro não queiram ver o PT — que, em sua opinião, também cometeu uma sucessão de equívocos quando esteve no poder — de volta ao Planalto. Até aí, tudo bem.

O problema é descobrir quem, além dos bolsonaristas mais convictos e dos petistas mais engajados, leva vantagem com o bate-boca desses dois grupos neste momento. A essa altura, já está mais do que claro que a melhor situação possível para os apoiadores de Lula é ter Bolsonaro como adversário em 2022.

Também já está claríssimo que, para os apoiadores do presidente, o melhor que pode acontecer é enfrentar o adversário que mais permite manter acesa a chama do antipetismo que resultou na vitória de 2018. É nesse cenário que devem ser vistas as manifestações marcadas para depois de amanhã.

Ninguém está preocupado, pelo que parece, em festejar a Data Nacional do país que caminha para comemorar, no ano que vem, o 200º aniversário da Independência. A efeméride, claro, é rodeada por simbolismos que oferecem centenas de motivos para se manifestar.

O que não se pode negar, porém, ao longo desses dois séculos foi construído um país multicultural e multirracial que merece respeito. Um país que, com todos os seus defeitos e qualidades (mais qualidades do que defeitos, na minha opinião) ainda tem muito a avançar para assegurar a seus filhos uma vida com mais qualidade e mais oportunidades do que oferece atualmente.

O SENTIDO DA INDEPENDÊNCIA — O caminho para se chegar lá, na minha opinião, passa pelo apoio aos investimentos privados. Passa pela criação de um ambiente mais saudável e amigável para os negócios — o que terá impacto positivo sobre a geração de empregos. Passa pela oferta de serviços orientados para o bem estar da população: algumas instituições públicas precisam parar de agir como se, ao invés de servir à sociedade, estivessem fazendo um favor ao cidadão.

Também são necessários investimentos que assegurem aos jovens uma educação mais preocupada em prepará-los para os desafios profissionais do Século 21. Passa por criar condições que assegurem avanços sociais sem que isso traga junto a intenção de impor a todos um mesmo modo de pensar e de enxergar o mundo.

Sim. A situação do país só evoluiu para o clima de confronto que se percebe no tom das manifestações previstas para o 7 de Setembro porque, além das críticas que um lado tem todo o direito de fazer ao outro, existe a tentativa de desqualificar as opções e a forma do adversário ver o mundo. A direita age como se Bolsonaro fosse a única alternativa à volta de Lula ao poder. E a esquerda age como se Lula fosse o único capaz de impedir que Bolsonaro permaneça por mais quatro anos no Planalto.

A esquerda precisa entender (e respeitar), por exemplo, que existe uma parte da população brasileira que é conservadora e se guia por valores morais e religiosos que não admitem algumas das bandeiras que ela vê como “avanços sociais”. A direita, por sua vez, precisa entender que o mundo evolui e que a sociedade fica mais inclusiva na medida em que se torna mais tolerante — e que ninguém pode ser criticado por não aceitar os valores morais e religiosos que alguns consideram corretos.

Este é o ponto: independentemente da maneira de cada um dos lados ver o mundo, ambos sofrem com problemas muito parecidos. A covid-19, o desemprego, a paralisia dos negócios, o preço da gasolina e outras situações que se tornaram agudas neste momento atingem a todos na mesma medida e precisam de uma solução urgente.

Neste momento, ao invés de tentar antecipar um debate eleitoral que pode muito bem esperar um pouco mais, seria melhor que todos se unissem para cobrar mais investimentos, mais rigor nos gastos públicos, além de medidas mais eficazes para vencer a pandemia e por o país para funcionar. Fazer isso neste momento talvez fosse a melhor maneira de dar sentido à palavra Independência.

(Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no Twitter e no Instagram: @nuno_vccls)

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