Profissionais da AMPARA Silvestre têm prestado primeiros socorros aos animais encontrados no Pantanal.
Reprodução/AMPARA Silvestre
Profissionais da AMPARA Silvestre têm prestado primeiros socorros aos animais encontrados no Pantanal.

“Eu vejo caos desde que eu cheguei”. Assim o veterinário Jorge Salomão definiu o cenário encontrado durante o trabalho que tem realizado, ajudando no resgate de animais no Pantanal há cerca de duas semanas. Desde o início do ano, mais de dois milhões de hectares já foram consumidos pelas queimadas que assolam a região  entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, segundo dados do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos incêndios florestais do Ibama (Prevfogo). 

Nas últimas semanas, a situação tem se tornado cada vez mais crítica. “Tem muito animal morto , carbonizado. A gente vê por todos os lados”, conta Salomão, responsável técnico da ONG AMPARA Silvestre , que, entre outras atribuições, trabalha na reabilitação de animais que possam ser devolvidos à natureza.

"Catastrófico"

Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revelam que a quantidade de focos de incêndios registrada no bioma entre janeiro e agosto deste ano foi de 10.153. O valor ultrapassa os 10.048 pontos de queimada contabilizados nos últimos seis anos, de 2014 a 2019. 

“Está sendo catastrófico . Cenários arrasadores. Bichos agonizando, morrendo de fome e sede. Queimadas com labaredas de 25 metros de altura”, descreve a guia naturalista Eduarda Fernandes, que mora no Pantanal. Na avaliação dela, a atuação do governo tem sido “péssima”. Ela diz que falta estrutura, organização, equipamento, logística e mão de obra.

O veterinário Jorge Salomão compartilha da mesma opinião. Ele conta que, desde o início, ele tem visto um "conformismo estratégico" e descaso por parte da gestão pública. “É aquele negócio de ‘ah, já pegou fogo e não tem o que fazer’".

"Isso tudo me choca muito"

Salomão acredita que faltaram medidas protetivas e preventivas que poderiam ter impedido que os impactos fossem tão graves.

“Não tem um centro de reabilitação, uma brigada de incêndio fixa. Isso tudo me choca muito e tem me revoltado bastante”, diz.

"Para a gente que trabalha com isso é desolador", lamenta o veterinário. "O fogo já queimou grande parte aqui do Pantanal norte e agora ele chegou ao Parque Estadual Encontro das Águas".

Jorge conta que um dos momentos mais marcantes foi ver o parque sendo atingido pela tragédia. Ele diz que o Parque Encontro das Águas, o único lugar onde ainda não havia fogo, era uma espécie de refúgio para ele.

"Acabava dando um gás, a gente sempre via muita onça, muita ariranha", relata.

Cervo cercado por chamas

Quando as queimadas chegaram ao parque, Jorge viu um cervo sendo cercado pelas chamas.

"Foi uma cena bem difícil, porque a nossa ação em um caso desse é muito limitada. Então isso me chocou e me mostrou o tamanho do problema e como a gente é pequeno frente a tudo isso que está acontecendo", conta.

Articulação local

“Algo precisa ser feito”, afirma a guia Eduarda Fernandes ao explicar como ela se envolveu com ações que têm o objetivo de amenizar os prejuízos ao Pantanal.

“Tudo começou quando uma anta com filhote morreu nos meus braços e eu não pude fazer nada por falta de equipe e preparo. A partir daí, eu movimentei uma  vaquinha para financiar equipamentos, materiais, veterinário e toda a equipe”, diz Eduarda.

O trabalho de quem está se dedicando a salvar os animais do Pantanal começa cedo. Jorge Salomão conta que ele e a equipe se dirigem às áreas atingidas pelo fogo entre seis e sete horas da manhã.

Eles passam os dias realizando a chamada 'busca ativa', que consiste em andar pelas regiões de incêndio à procura de animais feridos que precisam de resgate.

“Achando animal, a gente resgata, faz os primeiros socorros e aí ou fica em uma base provisória que a gente montou aqui ou os casos mais graves são encaminhados para a Universidade Federal do Mato Grosso em Cuiabá”, explica Jorge.

"Trabalho de formiguinha"

Além disso, a equipe coloca água e comida em cochos artificiais. Para Eduarda, “os bebedouros são uma forma eficiente de auxiliar o animal a achar água no meio dessa sequidão”.

Ela observa também que “os cochos podem salvar mais bichos do que o resgate”, porque, mesmo com assistência especializada, os animais podem acabar não resistindo.

“Sabemos que estamos fazendo um trabalho de formiguinha e que vamos ajudar indivíduos e não uma população”, diz Jorge. “Mas só de poder aliviar a dor de cada indivíduo que a gente consiga, para nós já é o que vale a pena”, conclui.

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