Após desentendimentos entre parlamentares na sessão de votação da Medida Provisória (MP) 910 , que trata da regularização fundiária na Amazônia , parlamentares decidiram deixar a inciativa perder validade. A obstrução de partidos de oposição e a manifestação de receio de alguns deputados de centro levou o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), a propor que o tema fosse tratado em projeto de lei, a ser votado na próxima semana. A maioria do líderes aceitou a sugestão e a medida foi retirada de pauta.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou desde a semana passada costurar um acordo para votação ocorresse nesta tarde. Caso fosse aprovada pela Câmara, a MP ainda precisaria ser votada pelo Senado até a próxima terça, data-limite para a vigência das novas regras. Com o impasse, ainda em plenário, Maia comunicou por Whatsapp ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, sobre a possibilidade de tratar o assunto por projeto de lei. Segundo o deputado, não houve objeção por parte de Alcolumbre.
Maia avaliou que havia maioria consolidada pela aprovação da matéria, mas levou em conta reclamações da oposição de que o assunto foi pautado com pouca discussão."O que eu proponho é que nós possamos, proposta também já feita pelo MDB, apresentar o projeto na próxima quarta-feira, para que a maioria possa exercer (o seu direito)", disse.
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O texto será o mesmo do relator da MP, o deputado Zé Silva (SD-MG) . Ele alterou dois importantes trechos elaborados pelo governo que eram contestados pela bancada ambientalista na Casa. Apesar disso, o grupo se posicionou de forma contrária à votação por entender que o novo conjunto de normas incentiva fraudes e a disputa de terras.
O texto
Zé Silva diz que contemplou em seu texto a legislação atual. A MP não vai alterar os marcos temporais para ocupação de terras definidos pelo Código Florestal e pela lei aprovada em 2017 que tratou da regularização fundiária na Amazônia .
"O que eu fiz como relator? Eu não vou mudar a lei. Vou mandar uma mensagem diferente. Não ocupe mais terras, porque você não vai mais ser mais legalizado pela Câmara", diz Zé Silva.
Além disso, ele alterou o texto do governo em relação à dispensa de vistoria para que um proprietário receba o título da terra . O governo queria que a dispensa fosse regra em áreas de até 15 módulos fiscais - uma unidade de medida agrária usada no Brasil, que leva diferentes fatores em conta e varia de região para região.
No texto do deputado, há mais facilidades para quem tem área de até um módulo fiscal, sem vistoria. A alteração visa beneficiar os pequenos agricultores e famílias que ainda não conseguiram regularizar sua situação. De dois a seis módulos, haverá dez condições para a regularização. Apesar de a análise do terreno ser feita por "sesoriamento remoto", por imagens de satélite, o proprietário será obrigado a apresentar, por exemplo, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) regularizado e não ter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
"O pior será não votar. O meu relatório traz segurança jurídica, justiça social. Se não aprovar, o que vai acontecer? Ninguém é dono de nada. Eu tenho a perspectiva de ter 214 mil pessoas atendidas. Se você é dono da sua (terra), você vai cuidar".
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Na Amazônia legal , um módulo fiscal corresponde a no máximo 110 hectares. Como 80% da área precisa ser preservada, de acordo com a legislação ambiental, só 22 hectares podem ser explorados para agricultura ou outras atividades econômicas.
Riscos
Apesar de considerar as alterações importantes, a bancada ambientalista ainda vê riscos com o texto. Presidente da Frente Ambiental, Rodrigo Agostinho (PSB-SP) diz que o grupo e parte da oposição devem fazer obstrução.
"Obviamente que regularizar sem vistoria (para até seis módulos) é sempre um risco e o Incra pode estar regularizando em cima de terra indígena, em área quilombola ainda não reconhecida. Então há uma série de conflitos fundiários que podem continuar acontecendo", diz Agostinho.
O deputado diz que Maia garantiu que não haverá retrocesso nas concessões já feitas pelo relator. Ele diz que, mesmo assim, ainda haverá insegurança jurídica.
"A grande aposta do governo é fazer a regularização de forma autodeclaratória. Então os grileiros, posseiros, quem estiver em terra pública vai se autodeclarar e o governo vai titular, dar o documento. Acontece que o texto estava propondo a autodeclaração para resolver problemas fundiários até 2.500 hectares, sendo que até 1.650 hectares (15 módulos fiscais) não ia precisar de vistoria. E vistoria serve para quê? Primeiro para saber se quem está declarando estar na terra é mesmo essa pessoa. Pode ser que uma pessoa em Santa Catarina se declare posseiro numa terra no Pará, mas ele não está lá. A gente flagrou muita venda de terra pública pela internet nos últimos dias", diz o deputado.