Nas últimas décadas, o plástico tem se tornado um dos principais vilões do meio ambiente e representa hoje a maior ameaça à biodiversidade do planeta. Dados divulgados pelo fórum de Davos, de um estudo realizado junto com a fundação da navegadora Ellen MacArthur e a consultoria McKinsey, apontam que os oceanos terão mais detritos plásticos do que peixes em 2050.
Para evitar que esse futuro se torne realidade, diversos estudos e projetos estão sendo desenvolvidos com o objetivo de diminuir os efeitos deste problema na natureza. Um deles, realizado em praia da Grécia, teve seus resultados divulgados neste mês e trouxe um importante aliado nesta batalha: micróbios marinhos capazes de se alimentar de plástico .
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Um grupo de cientistas formado por pesquisadores de Grécia, China, Itália, Suíça e Emirados Árabes coletou materiais de diferentes praias da cidade de Chania, na Grécia, e notou que as peças, formadas principalmente de polietileno (o plástico mais popular do planeta e encontrado em produtos como sacolas plásticas e frascos de xampu) e poliestireno (que produz embalagens de alimentos e eletrônicos) eram decompostas lentamente por estes micróbios .
Com isso, o grupo realizou experimentos ao longo de cinco meses com duas amostras: uma com micróbios já encontrados normalmente nos oceanos e outra com micróbios previamente cultivados em laboratório para serem aplicados a um processo de biorremediação conhecido como ‘bioaumentação’.
Os resultados foram bastante promissores e mostraram que o segundo grupo conseguiu reduzir de forma significativa o peso dos plásticos analisados: o poliestileno teve uma redução de 7% no seu peso total, enquanto o poliestireno foi reduzido em 11%.
Mas o que é a bioaumentação?
“O processo consiste na inserção de micro-organismos no local contaminado, seja para aumentar a população microbiológica que já existe, seja para adicionar uma população nova que possui maior capacidade de degradação do contaminante”, esclarece Mariana Härter Remião, biotecnologista, doutora em biotecnologia e professora da Universidade Federal de Pelotas.
“Neste caso, os pesquisadores utilizaram as duas formas: em um grupo experimental, usaram micro-organismos capazes de crescer tendo como fonte de carbono apenas os polímeros utilizados no estudo (PE e PS). Já na segunda fase, os cientistas coletaram o biofilme que naturalmente cresceu nas peças plásticas para acelerar o processo de degradação. Foi esta ação que fez com que se atingissem os resultados de redução de 7% e 11% no peso total”, afirma.
Mariana explica que o ambiente marinho não é o ideal para que este tipo de degradação aconteça, uma vez que a água dissipa grande parte do calor do sol, fazendo com que a temperatura permaneça mais baixa e, juntamente da baixa disponibilidade de oxigênio, o desenvolvimento de micro-organismos degradadores de plástico se torne lento.
Este é um dos principais motivos que fazem os produtos plásticos demorarem um tempo considerável para se desfazerem na natureza e acabarem se tornando lixo ambiental .
“Os micróbios utilizados no estudo estão naturalmente nos oceanos. Então, a degradação ocorre, mas de forma lenta. Para que resultados como este sejam obtidos, é necessária a aplicação do processo de bioaumentação. É uma técnica já estabelecida e aplicada mundialmente e, portanto, possível de ser utilizada de forma comercial”, afirma Mariana.
Testes e resultados
“No laboratório , o que se faz é uma tentativa de simular o ambiente marinho. Essas etapas experimentais são importantes para que a real eficácia do procedimento seja avaliada, bem como os possíveis riscos ambientais. No caso do estudo, os pesquisadores identificaram populações de micro-organismos que naturalmente estão nos plásticos e realizaram o processo de ‘bioaumentação’, o que garantiu uma exposição dos produtos a um concentrado de bactérias, que acelerou o processo de degradação”, explica a professora.
Segundo estimativa utilizada pelos pesquisadores, existe de 7 mil a 35 mil toneladas de plástico nas superfícies marinhas. Tomando o valor mais alto da estimativa como parâmetro, e sabendo que o poliestileno representa 36% desse total, chega-se a estimativa de que 12,6 mil toneladas são deste produto.
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Assim, é possível projetar que os resultados obtidos seriam ambientalmente relevantes, uma vez que alcançariam uma redução estimada em 882 toneladas apenas deste tipo de plástico se a técnica fosse aplicada a nível global. Entretanto, a professora faz ressalvas e lembra que a diminuição foi medida após cinco meses e que o depósito de novos detritos nos oceanos a cada dia representa quase a mesma quantidade perdida.
“Tendo em vista que é estimado o depósito de 68 toneladas de plástico nos oceanos por dia, essa diminuição não é percebida. Por hora, chega ao meio ambiente quase a quantidade passível de ser degradada em meses pela biotecnologia em questão, se estabelecida em larga escala”, finaliza Mariana.