As toneladas de lixo flutuante retiradas mensalmente da Baía de Guanabara mostram a face visível de um problema antigo. A poluição ali, porém, é mais profunda do que se imagina. Uma pesquisa realizada na PUC revela que a Baía é uma das áreas mais poluídas por microplásticos no mundo. Os pesquisadores chegaram ao resultado comparando o nível de sujeira registrado ali com outros estudos. As partículas são inferiores a cinco milímetros e representam grande risco para o ambiente marinho.
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Durante o estudo, que durou dois anos, a mestre em química Glaucia Olivatto encontrou uma média de 7,1 itens por metro cúbico nas amostras coletadas perto do Aeroporto Santos Dumont, do Museu do Amanhã e da Ilha do Fundão. Uma pesquisa semelhante na Enseada de Jurujuba, em Niterói, realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), apontou uma concentração ainda maior. A bióloga marinha Rebeca Castro encontrou 16,4 itens por metro cúbico.
Em outros estados, conforme apontam pesquisas, a maior concentração encontrada foi de 14 itens por metro cúbico, no estuário do Rio Goiana, em Pernambuco. Esse resultado, no entanto, foi obtido em 2015 a partir de amostras coletadas após tempo chuvoso. Mundo afora, os índices em enseadas ou mar fechado são bem menores. Especialistas encontraram na Baía de Brest, na França, 0,24 item por metro cúbico. Maior que isso, só no Mediterrâneo Ocidental e no Mar Adriático, onde o resultado, em 2016, foi de um item por metro cúbico.
Microplástico de composição química, o polietileno foi o tipo mais encontrado nas amostras de Glaucia e Rebeca.
"O material pode ser resultado da fragmentação de objetos plásticos maiores ou ter sido transportado para as águas da Baía através dos efluentes domésticos", explica Glaucia. "Micropartículas do polietileno são utilizadas na formulação de produtos cosméticos, como os sabonetes esfoliantes. Com tamanho tão reduzido, boa parte pode não ser retida nas estações de tratamento de esgoto".
Morte das tartarugas
Apesar de minúsculos, os resíduos são um risco enorme para a vida marinha, diretamente exposta a essas partículas. Peixes, mexilhões e tartarugas são as principais vítimas. Os animais confundem microplásticos com comida e não conseguem digerir o material, provocando sua morte por sufocamento ou desnutrição, já que se sentem saciados com o suposto alimento. Pelo menos 80% das tartarugas encontradas mortas apresentam lixo — a maioria plástico — em seu organismo, de acordo com o projeto Aruanã, da UFF, que monitora a qualidade de vida das tartarugas na Baía.
Os impactos dessa contaminação para a saúde humana ainda são analisados pelos cientistas. Mas há estudos que indicam a presença de substâncias tóxicas e cancerígenas nos microplásticos.
"Esse quadro tem solução se mudarmos nosso dia a dia, como o consumo exagerado e supérfluo de descartáveis. Além de políticas públicas, é preciso rever hábitos individuais e coletivos", observa Rebeca.
A maior parte dos detritos plásticos encontrados na Baía de Guanabara vem do descarte de resíduos das atividades marítimas, que envolvem estaleiros e portos, práticas esportiva e pesqueira e cruzeiros turísticos. A distribuição dos microplásticos no ambiente marinho é influenciada por diversos fatores, entre eles a fonte poluidora e as correntes oceânicas. Os resíduos podem ser transportados para locais distantes. A presença de microplásticos já foi relatada na Ilha de Trindade, uma das maiores reservas marinhas do mundo, que fica no litoral do Espírito Santo.
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Alerta para fiscalização
Dos microplásticos encontrados no mar, há os já produzidos em tamanho microscópico, que compõem geralmente a formulação de produtos cosméticos e de higiene pessoal. Também existem as partículas geradas pela fragmentação de plásticos maiores descartados no meio ambiente, como copos, garrafas e sacolas.
O nível de contaminação, afirma Glaucia, deveria servir como alerta para os responsáveis pela fiscalização e implementação de políticas de resíduos sólidos e de uso de plásticos descartáveis. Na raiz desse problema invisível, estão a ineficiência do manejo do lixo nas bacias de drenagem e a falta de educação — ou bom senso — da população.
Para o presidente da Route Brasil, ONG de conscientização ambiental, Simão Felipe Costa, as indústrias têm expressiva influência nesse tipo de poluição . "O volume de material plástico gerado pelas indústrias é gigantesco. A adequação do mercado é muito importante, precisamos agilizar esse processo", adverte.
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Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), o sistema de ecobarreiras retém cerca de 200 toneladas de resíduos sólidos —em sua maioria plástico — todo mês. Oceanógrafo e professor da Uerj, David Zee sugere investir em unidades de tratamento nas embocaduras do rios que deságuam na Baía, na regularização dos aterros sanitários e na coleta seletiva. A Secretaria estadual do Ambiente disse que trabalha para fazer da educação ambiental uma política pública. O órgão lançou o concurso “Inovação em resíduos sólidos”, para estimular iniciativas e tecnologias sustentáveis.