Alysson Muotri realiza estudos em
Reprodução
Alysson Muotri realiza estudos em "minicérebros" para investigar Alzheimer e Autismo

Estudar o cérebro humano não é uma tarefa simples, mas o brasileiro Alysson Muotri, de 50 anos, decidiu ir além do que se imagina. Cientista e pesquisador na Universidade da Califórnia (UCLA), ele dedica sua carreira a investigar doenças da cognição social humana. O que chama atenção é como ele realiza esses estudos, usando minicérebros  criados em laboratório e "envelhecidos" no espaço. Achou curioso? Vamos te contar tudo. 

@portal_ig Eles contêm múltiplos tipos de células neurais e permitem que pesquisadores observem, em tempo real, como diferentes regiões e redes nervosas se formam, oferecendo um modelo valioso para estudar doenças neurológicas, respostas a medicamentos e aspectos do desenvolvimento cerebral que seriam impossíveis de analisar em humanos diretamente. 🔗 Veja as notícias do Portal iG e acesse o Canal do Whatsapp no Link da Bio 📲 📹 Portal iG #PortaliG ♬ som original - iG


“Todo mundo nasce cientista, mas vai deixando de ser”, disse Muotri ao iniciar sua entrevista ao Portal iG. Essa frase resume o ponto de partida de sua trajetória que começou na infância. Alysson acompanhou os primeiros sinais de Alzheimer do avô, experiência que despertou uma inquietação: como o cérebro constrói nossas habilidades sociais?

Anos mais tarde, Alysson se formou pela UNICAMP em  ciências biológicas  e  concluiu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em genética. Já como pesquisador, nos Estados Unidos, decidiu estudar diretamente a região do cérebro onde tudo isso se origina: o córtex frontal.

Logo de cara, Muotri enfrentou sua primeira grande barreira. Mesmo nos laboratórios mais avançados dos Estados Unidos, os estudos dependiam de cérebros de camundongos, úteis em muitas áreas, mas incapazes de reproduzir o comportamento social humano. Esse impasse parecia definitivo, até que uma descoberta em 2012 mudou tudo. A partir de técnicas de reprogramação celular, o pesquisador passou a produzir organoides cerebrais humanos: pequenos “minicérebros”, do tamanho de uma lentilha, que carregam toda a genética do indivíduo de origem.

Como funciona?

O cientista explicou ao Portal iG  como é o funcionamento desses protótipos e quais as diferenças  de um cérebro normal: “A gente chama de um modelo reducionista, porque não é o cérebro humano. É uma forma mais simplista dele. Eles recapitulam os aspectos iniciais da formação do cérebro. As limitações dele estão relacionadas mais ao tamanho, por isso que a gente chama de micro ou mini cérebro.”

No entanto, como os cientistas já estão acostumados: quando um problema é resolvido na ciência, outro pode aparecer. Muitas doenças neurológicas aparecem apenas com a idade, mas, os minicérebros criados em laboratório, por ainda estarem se desenvolvendo, não reproduziam esse envelhecimento. A urgência desse problema ficou evidente quando seu filho, Ivan, que tinha os seus genes em um dos minicérebros  estudados, apresentou um episódio de epilepsia que o modelo não havia previsto. A partir disso, Muotri chegou à conclusão que, para avançar, era preciso acelerar artificialmente o envelhecimento dessas estruturas.

A solução veio de onde ninguém esperava: do espaço. Antigos pesquisadores da NASA (Agência Espacial Norte-Americana) mostraram que astronautas voltavam  das missões com sinais de envelhecimento celular precoce - embora reversível. A partir dessas evidências, Muotri propôs uma colaboração: ele utilizaria esse efeito para envelhecer minicérebros de forma acelerada; a NASA, por sua vez, obteria dados valiosos sobre saúde neurológica em missões longas. A primeira resposta foi negativa. 

Como um bom brasilero nunca desiste, ele buscou outro caminho. Com apoio da empresa Space Tango, companhia aeroespacial em Lexington, Kentucky, nos Estamos Unidos, e também  dos lançamentos comerciais da SpaceX, Muotri pôde enviar as primeiras remessas de minicérebros à Estação Espacial Internacional, um laboratório que fica na órbita do nosso planeta. Dentro de caixas automatizadas com sensores e câmeras, os organoides passaram cerca de 30 dias em microgravidade. Ao retornarem, os resultados foram inequívocos: marcadores celulares equivalentes há anos, até décadas, de envelhecimento. Só então a NASA concordou com a parceria.

Quando o espaço vira laboratório

Após diversas missões, ficou claro que a automatização não daria conta das próximas etapas. Os experimentos precisavam de manipulação humana no espaço. Astronautas visitaram o laboratório de Muotri, mas concluíram que seria mais eficiente treinar os cientistas para executarem as tarefas em microgravidade, do que ensinar todo o protocolo aos astronautas.

@portal_ig Para o Dr. Alysson Muotri, o futuro da ciência passa pelo espaço. O pesquisador explica que permite observar processos biológicos de forma inédita, abrindo caminhos mais rápidos para avanços em doenças neurológicas e no entendimento do corpo humano. 🔗 Veja as notícias do Portal iG e acesse o Canal do Whatsapp no Link da Bio 📲 📹 Portal iG #PortaliG ♬ som original - iG


O cientista acredita que o espaço será parte inevitável da produção científica. “A microgravidade traz diversas vantagens para a gente, e vai ser um tipo de tecnologia inevitável que um monte de grupos  vão acabar usando.” Ele também destacou o desafio atual: “Hoje em dia é um ecossistema ainda um pouco limitado, até pelo acesso ao espaço - que é o custo dessa pesquisa - que é alto. Mas, uma vez que a gente resolve isso, estamos muito próximo de chegar nesse estágio.


Segundo o pesquisador, o aceleramento biológico provocado pela microgravidade é extremamente valioso: “Tem muitas vantagens de fazer trabalhos onde você tem um aceleramento do processo humano, do envelhecimento humano... Isso é muito bom pra gente. A gente acaba acelerando o nosso conhecimento ao fazer os experimentos no espaço. Então vai abrir uma oportunidade gigantesca, uma vez que a gente terá mais e mais laboratórios em órbita.

Assim surgiu o primeiro grupo de cientistas-astronautas brasileiros, idealizado pelo pesquisador. A missão aguarda uma nova janela de lançamento, adiada por cortes consecutivos na NASA.

Os povos originários encontram astronautas

Enquanto isso, outro braço da pesquisa avança. Em parceria com o professor Spartaco Astolfi Filho, da Universidade Federal da Amazônia (UFA), Muotri passou a investigar substâncias extraídas de plantas usadas há séculos por povos indígenas. O objetivo: identificar moléculas com potencial de proteger o cérebro e testá-las nos minicérebros.

@portal_ig O estudo do Dr. Alysson Muotri combina tecnologia de ponta com saberes tradicionais, enviando organoides cerebrais — os chamados minicérebros — à Estação Espacial Internacional para entender como a microgravidade influencia o desenvolvimento e o envelhecimento do cérebro, com o objetivo de acelerar descobertas para condições como autismo e Alzheimer. 🔗 Veja as notícias do Portal iG e acesse o Canal do Whatsapp no Link da Bio 📲 📹 Portal iG #PortaliG ♬ som original - iG


O trabalho é desenvolvido lado a lado com lideranças indígenas, como o pajé Siã Huni Kuin, respeitando o conhecimento ancestral e garantindo que eventuais benefícios retornem às comunidades e à preservação da floresta.

Da infância marcada pelo Alzheimer do avô ao envio de minicérebros para a Estação Espacial Internacional, Alysson Muotri construiu uma trajetória que conecta três universos aparentemente distantes: biologia celular, tecnologia espacial e saberes amazônicos. Uma história brasileira que hoje ultrapassa fronteiras geográficas  - e espaciais - na busca por respostas sobre aquilo que nos torna humanos.

    Comentários
    Clique aqui e deixe seu comentário!
    Mais Recentes