Nem mesmo os ambientes mais isolados do planeta estão livres da poluição plástica . Uma equipe da Universidade Federal do Espírito Santo ( Ufes ) identificou mais de 300 partículas de microplástico em apenas alguns litros de água do mar que banham a Ilha da Trindade, no meio do Atlântico, a cerca de 1.200 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo .
A descoberta faz parte do projeto “Avaliação da poluição por resíduos de plástico usando diferentes matrizes ambientais em ilha oceânica – Ilha de Trindade/Brasil ”, conduzido pelo Laboratório de Biologia Costeira e Análise de Microplástico ( LaBCAM ) da Ufes, sob coordenação da bióloga Mercia Barcellos.
“Esse resultado nos mostra que nem mesmo ambientes remotos e com baixa atividade humana estão protegidos desses poluentes” , afirma a bióloga e colaboradora do LaBCAM Mariana Otegui, que integrou a expedição.
Pesquisa em águas, sedimentos e organismos
Além da água, a equipe também coletou amostras de sedimentos marinhos e terrestres, além de organismos nativos, como gastrópodes e caranguejos das espécies Johngarthia lagostoma e Grapsus grapsus. Até mesmo teias de aranha foram recolhidas para investigar a presença de partículas plásticas suspensas no ar.
No momento, os pesquisadores estão em fase de processamento e caracterização das amostras, buscando identificar a forma, a cor e a composição química dos microplásticos, a fim de rastrear suas possíveis origens.
Segundo Otegui, esses resíduos apresentam diferentes formas, sendo os mais frequentes os filamentos e fragmentos, geralmente oriundos da degradação de plásticos de maior porte.
Outra forma de classificação leva em conta a cor e a composição química do polímero, o que permite rastrear a possível origem dos microplásticos, como PET, PVC, Nylon, entre outros materiais.
“São várias etapas de processamento de amostras. Terminamos, até o momento, a análise da água do mar, onde encontramos uma maior quantidade de filamentos azuis. Esse material pode estar associado às redes de pesca” , afirma.
Impacto quase invisível
Os microplásticos são partículas com menos de 0,5 milímetro, invisíveis a olho nu, mas cada vez mais presentes em todos os ecossistemas.
Eles podem ser classificados como primários, no qual, são produzidos intencionalmente nesse tamanho, usados em cosméticos e produtos de limpeza. E os secundários, resultantes da degradação de plásticos maiores, como embalagens e utensílios.
Estudos recentes já apontaram a presença dessas partículas até no corpo humano — em tecidos como placenta, sêmen e cérebro — levantando preocupações sobre os impactos à saúde.
Missão desafiadora
A expedição partiu do Rio de Janeiro em 14 de julho, a bordo do Navio de Patrulha Oceânica ( APA ) da Marinha do Brasil, já que o acesso à Ilha da Trindade é restrito a militares e pesquisadores do Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade ( ProTrindade ).
Foram dez dias de missão, dos quais seis embarcados e quatro em terra firme, com participação dos pesquisadores do LaBCAM Gustavo Zambon e Mateus Marçal (alunos do curso de Ciências Biológicas), Bruna Luz (estudante do curso de Oceanografia) e Mariana Otegui.
O projeto do LaBCAM é desenvolvido em parceria com o Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Metodologias para Análise de Petróleos (LabPetro), ambos vinculados ao Departamento de Química da Ufes. A pesquisa conta com financiamento de R$ 289.450 do CNPq, aprovado na chamada 17/2024 – Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas.