Um pouco por deboche e outro tanto para causar furor, Donald Trump publicou há poucos dias, em suas redes, uma imagem gerada por inteligência artificial em que aparece vestido como papa .
Pouco antes, em conversa com jornalistas, o republicano brincou que adoraria ser o chefe da Igreja Católica.
A fala e a ilustração deram combustível para os rumores de que a Casa Branca acompanhava com atenção o conclave iniciado nesta quarta-feira (7).
Morto em 21 de abril, o papa Francisco atuou como uma mosca na sopa de extremistas que ganharam força no cenário geopolítico desde que iniciou o seu pontificado, em 2013. Entre eles, Trump é a ponta do iceberg.
Nos Estados Unidos, a ala conservadora da Igreja local serviu como foco de resistência ao papa Francisco, chamado de “comunista” em razão da sua disposição ao diálogo e ao acolhimento de minorias. O ídolo dos revoltados é o vice-presidente J.D. Vance, católico fervoroso que se veste como millenial e atua como dona Perpétua, a falsa cristã que “não conhece o dom da caridade” da novela Tieta.
Por ironia, Vance foi a última autoridade a se encontrar com o papa em vida.
A escolha do cardeal norte-americano Robert Francis Prevost, de 69 anos, como novo papa (agora chamado de Leão XIV), levou muitos leigos a se perguntarem se ele apareceria na janela da Basílica de São Pedro, nesta quinta-feira (8), vestindo um boné escrito “Make Vaticano Great Again”.
Na dúvida, muita gente fez o que costuma acontecer nessas horas: correu para o X, o antigo Twitter, para saber o que dizer e como opinar.
Lá os progressistas, respiravam aliviados.
Prevost, até ontem, tinha um perfil ativo e combativo.
Na foto de perfil, aparecia nos braços de Francisco, que o promoveu a cardeal em 2023 e, em seguida, o nomeou prefeito do Dicastério para os Bispos – cargo estratégico para a seleção de bispos do mundo todo.
Ou seja: a preocupação manifestada nas congregações que antecederam o conclave sobre a manutenção do legado de Francisco (como citou o jornalista e teólogo Felipe Zagari em entrevista ao iG) estava resolvida.
E, como pontuou o especialista, um conclave resolvido em menos de 24 horas é um sinal de concertação de uma Igreja fraturada e também influenciada por tempos bicudos.
A resposta vinda da chaminé, ao que parece, é que a Igreja atual seguirá falando alto com os chefes de Estado que promovem as guerras, as injustiças, a destruição do meio ambiente e as perseguições – sobretudo a imigrantes.
Em seu post mais recente, publicado há menos de um mês, Prevost retuíta uma crítica à reunião de Donald Trump e o presidente extremista de El Salvador Nayib Bukele no Salão Oval da Casa Branca, após a deportação ilegal de um salvadorenho para uma das mais draconianas prisões do país.
A mensagem levava o link para um artigo, assinado pelo padre salvadorenho Bishop Evelio Menjivar, em que a política anti-imigração de Trump é condenada aos olhos do Evangelho.
O texto questiona o silêncio de quem vê a injustiça passivamente: “vocês não veem o sofrimento dos seus vizinhos? Não percebem a dor, a miséria, o medo e a ansiedade muito reais que essas operações e políticas governamentais injustas estão causando? Sua consciência não está perturbada? Como vocês podem ficar em silêncio?”
O tuíte endossado por Prevost faz menção ao alerta contido no capítulo 25 do Evangelho de São Mateus.
Trata-se da passagem em que Jesus Cristo diz aos seguidores que teve fome e não lhe deram de comer; teve sede, e não lhe deram de beber; era estrangeiro e não foi acolhido; necessitou de roupas, e ninguém o vestiu; esteve enfermo e preso, e ninguém o visitou.
Ao ser questionado sobre quando tudo isso acontece, de acordo com o mesmo evangelho, a resposta é clara: “o que vocês deixaram de fazer a alguns destes pequeninos, também a mim deixaram de fazê-lo”.
Os primeiros sinais do novo papa não chegam, portanto, em latim improvisado na janela da Basílica, mas em alto e bom inglês.
*Este texto nao reflete, necessariamente, a opinião do Portal iG