Desde a morte de Stephen Hawking (1942-2018), o físico teórico norte-americano Michio Kaku, 72 anos, tornou-se uma das faces mais pop da ciência — seja na lista de best sellers do The New York Times ou em um documentário da BBC . Pertence, portanto, a uma linhagem que conecta Isaac Newton a Carl Sagan, passando por Albert Einstein e Neil deGrasse Tyson. No campo acadêmico, Kaku fez história ao ser um dos autores da Teoria das Cordas, uma ambiciosa tentativa de unificar a mecânica quântica e a Teoria da Relatividade. Hoje, atua como professor titular da City University of New York. Na entrevista a seguir, concedida a um seleto grupo internacional de jornalistas — presentes no evento SAS Global Forum, em Dallas (EUA) —, o cientista faz um resumo da sua visão a respeito do futuro da humanidade. E decreta: “No século 22, vamos acabar nos fundindo às máquinas . Seremos super-humanos.”
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O senhor afirma que a aceitação ou não da revolução digital dividirá a humanidade entre vencedores e perdedores. Como lidar com os últimos?
As pessoas jamais serão inúteis. E a chave para transformá-las é a educação. O avanço dos robôs
é iminente, e eles serão melhores que os humanos em algumas funções. Mas precisaremos de pessoas para montá-los, limpá-los, mantê-los. Afinal, a indústria robótica será maior que a automobilística, muitos empregos serão gerados por ela.
E como o senhor vê essa transformação numa escala global?
Na verdade, já sabemos quais serão as nações perdedoras e vencedoras do futuro. O primeiro grupo reúne aquelas que ficarem atreladas às suas commodities, como a comida. O preço dos alimentos vem caindo nos últimos 200 anos, mas os países que estão presos à agricultura ainda acreditam que a produção de comida garantirá a prosperidade eterna. As nações que não investem em educação, ciência e tecnologia serão pobres no futuro. Por outro lado, os governos que compreenderem as conexões entre a velha economia e o capital intelectual irão prosperar. E a tecnologia sempre pavimentará o caminho.
Como mudar a cabeça de governantes que não pensam assim?
Bem, vocês podem tirá-los do poder pelo voto (risos). A internet dissemina a democracia e a informação. Isso empodera as pessoas, que passam a pensar que é possível viver melhor. Sou positivo em relação ao futuro. Especialmente quando vejo países como a China, que já entendeu que não é possível fazer cópias baratas para sempre, e agora investe em seu capital intelectual. Precisamos criar indústrias para a era moderna, não para o mundo do passado.
Um dia as máquinas ganharão consciência e serão senhoras do universo?
Mark Zuckerberg (criador do Facebook) costuma dizer que a inteligência artificial cria empregos e traz prosperidade. Por sua vez, Elon Musk (fundador da Tesla e da SpaceX) afirma que não é bem assim. Para ele, estamos falando de nossos sucessores existenciais e, por isso, a inteligência artificial é potencialmente perigosa. Ambos têm razão — Zuckerberg no futuro próximo; Musk, daqui um século. Tive a chance de entrevistar o criador do Asimo, um famoso robô doméstico criado pela Honda, e perguntei a ele quão esperto é o nosso andróide mais inteligente. Ele me disse que o Asimo pode ser comparado a uma barata!
E como serão os relacionamentos afetivos entre humanos e computadores?
Já estamos desenvolvendo robôs emocionais. No MIT (Instituto de Tecnologia
de Massachusetts, nos EUA), por exemplo, os pesquisadores estão quantificando as emoções humanas. E o interessante é que o nosso rosto é um ótimo instrumento para isso. Os cientistas criaram um boneco capaz de reproduzir todas as expressões humanas já catalogadas. Está tudo lá, ao toque de um botão: tristeza, felicidade… Tudo é manipulável. E o mais incrível é que o robô parece entender as emoções humanas! Mas o detalhe é que ele ainda não consegue fazer isso de verdade, trata-se apenas de um fantoche. E aí entra o avanço da inteligência artificial, já que os computadores ainda não compreendem os nossos sentimentos. Esses robôs emocionais serão usados primeiramente como animais de estimação, em asilos e hospitais, ajudando e fazendo companhia às pessoas mais solitárias.
Hoje, “conversar” com os assistentes virtuais dos smartphones pode ser enfadonho. Como a interação com as máquinas pode evoluir?
Sim, temos os chatbots (sistemas de inteligência artificial que “dialogam” com o usuário), mas eles têm um problema sério. A conversação humana requer não mais que uma centena de poucas palavras. Mesmo com um vocabulário limitado, é possível falar qualquer língua do planeta Terra. Mas o significado real por trás dessas palavras é muito complicado. Logo, conversar é fácil para os computadores. Mas contextualizar esse diálogo ainda é muito difícil para eles. Se você fizer a pergunta “a água é molhada?” a um robô, ele pode ficar bastante confuso. Senso comum é algo que os computadores não têm, é muito delicado. Parece que ainda não aprendemos a tirar o melhor dos aparelhos eletrônicos de uso diário…
Para onde todos esses gadgets e equipamentos estão nos levando?
Na verdade, eles nos ajudam a ter um retrato melhor do valor das coisas. Com um celular, você é capaz de saber se está fazendo um bom negócio ou até mesmo quanto uma empresa está lucrando com os produtos que você compra no dia a dia. Você não precisa mais “chutar” quanto o concorrente está cobrando por um artigo similar. Basta perguntar à internet. Com a análise de dados, é possível entender melhor quem você é e quais são as suas necessidades. Isso me faz crer que estamos prestes a alcançar o capitalismo perfeito, graças à popularização da tecnologia. O que o Uber fez? Ele eliminou o intermediário, ligando o motorista diretamente ao passageiro pelo celular.
Como o senhor enxerga o futuro do comércio?
O segmento tem evoluído muito com o investimento de empresas como a Amazon. Mas a inteligência artificial
não vai superar a interação humana. Advogados robôs simplesmente não funcionam, eles seriam incapazes de interagir com um júri ou um juiz. As máquinas são completamente ignorantes a respeito de dilemas éticos, por exemplo. Os robôs poderão responder às perguntas mais simples numa loja, mas as questões importantes ainda serão feitas a um funcionário. O capital intelectual, da mente, será a coisa mais valorizada nos humanos do futuro. Os computadores não têm criatividade, nem são inovadores ou capazes de pensar estrategicamente.
A inteligência artificial será mais importante que os robôs?
Pode ser. No Japão, por exemplo, já existe um hotel totalmente automatizado. Você chega e é atendido por um recepcionista virtual, que despacha a bagagem automaticamente para o seu quarto. Por lá, também há restaurantes inteligentes, que demoram 1 minuto e 29 segundos para preparar o seu prato de noodles. Você senta à mesa, escolhe o que vai comer em um tablet e um chef digital prepara o prato. O interessante é que falamos de um serviço que atende às classes mais baixas da população, e não de uma eventual robotização da alta gastronomia — mais um exemplo de como o capital intelectual garantirá o trabalho dos humanos no futuro.
Como definir o conceito de humanidade depois que os robôs forem mais inteligentes do que nós?
Nós simplesmente teremos de conviver com eles — pelo menos, até o ponto em que as máquinas se tornarem perigosas. Elas serão benéficas à sociedade, realizando tarefas básicas muito mais rápido do que os humanos. Falo dos trabalhos perigosos, sujos e elementares. Essas serão as funções assumidas pelos robôs em primeiro lugar. Mas, daqui a mais ou menos um século, devemos começar a nos conectar intelectualmente com as máquinas. E aí teremos de criar “direitos civis” para os andróides. Os robôs terão de sentir algum tipo de dor, inclusive. Eles terão autoconsciência e saberão, por exemplo, que “morrerão” caso um humano ordene que eles saltem de um prédio. Novas leis serão criadas especialmente para os robôs.
Quais são os maiores obstáculos para a evolução da humanidade?
Há três problemas criados por nós mesmos: aquecimento global, armas biológicas e proliferação nuclear. Também enfrentamos os desastres naturais, já que a mãe natureza costuma destruir suas próprias criações. Quase 100% das formas de vida sempre são extintas. Os dinossauros não tinham um programa espacial, por isso eles não estão aqui hoje. A extinção
é a regra. Então temos de conter nosso desejo pela autodestruição, e o único caminho para isso é a democracia. Hoje, ela depende da internet. Somente com informação as pessoas serão responsáveis por seus próprios destinos.