A aliança entre Marta Suplicy (sem partido) e Guilherme Boulos (PSOL-SP) na disputa pela prefeitura de São Paulo pode ajudar a definir o futuro da esquerda brasileira como um todo, segundo análise de especialistas ouvidos pela reportagem.
Nesta semana, Marta aceitou regressar ao Partido dos Trabalhadores (PT) e se tornar candidata a vice-prefeita de São Paulo na chapa liderada por Boulos. A união, que foi discutida entre os dois envolvidos em encontro neste sábado (13), representa uma força extra para a campanha do psolista, que já lidera as pesquisas de intenções de voto da capital paulista.
Se a chapa sair vitoriosa, Boulos deve ganhar ainda mais projeção nacional, se tornando um nome mais forte na esquerda brasileira, capaz de ocupar o espaço que deve ser deixado por Lula no cenário político nos próximos anos.
Marta pode puxar votos
De volta ao PT, Marta é capaz de trazer votos para a chapa, auxiliando na vitória de Boulos. A futura candidata a vice-prefeita já foi prefeita de São Paulo entre 2001 e 2004, mandato que encerrou com com 49% de aprovação, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada na ocasião. À época, 61% dos eleitores paulistanos achavam que a cidade estava melhor do que antes de Marta assumir.
Foi na gestão de Marta que a cidade alcançou alguns feitos importantes, como a implementação do Bilhete Único e a criação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs). "A Marta agrega nessa chapa com o Boulos fazendo com que os votos da periferia, onde ela tem uma boa interlocução, se dispersem menos. É uma tentativa de impedir que esses votos vão para outros candidatos", analisa Glauco Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP).
A possibilidade de Marta levar votos para outros candidatos já ocorreu anteriormente. Nas últimas eleições paulistanas, em 2020, ela desistiu da sua pré-candidatura e se desfiliou do Solidariedade para apoiar o então candidato Bruno Covas, do PSDB. Depois da vitória de Covas, Marta assumiu a Secretaria de Relações Internacionais do município, cargo que ocupou até a última semana, quando foi exonerada para entrar na chapa de Boulos.
Desde que saiu do PT, em 2015, em meio à Operação Lava Jato, Marta passou pelo MDB e pelo Solidariedade, e trilhou caminhos contrários ao partido ao qual deve voltar agora. Em 2016, enquanto senadora, votou pelo impeachment da então presidente Dilma Rousseff; em 2018, durante as eleições presidenciais, chamou o então candidato petista e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de "o pior prefeito" da história de São Paulo.
"Marta ainda tem capacidade de mobilização de voto, é um nome lembrado e conhecido. Ela fazer parte do outro time era ruim para a esquerda, então o PT reconheceu isso e trouxe ela para ocupar esse lugar na chapa com Boulos", comenta Glauco.
Agora, Marta deve voltar ao PT depois de uma reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, realizada na última semana. Além de trazer votos para a chapa liderada por Boulos, ela também tem o que críticos dizem faltar no psolista: experiência na administração pública. "Ter a Marta como vice na chapa é espécie de vacina, tentando desconstruir previamente as críticas que, porventura, poderiam ser feitas ao Boulos sobre falta de experiência no Executivo", comenta Rodrigo Prando, professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A política pós-Lula
Com boas chances de vencer as eleições na capital paulista, a chapa fruto da aliança entre Marta e Boulos pode não apenas definir os rumos da cidade, mas também da política brasileira como um todo, analisam os especialistas.
O apoio do PT a Boulos nessas eleições é fruto de um compromisso assumido ainda em 2022 pelo partido, quando o psolista não concorreu à presidência da República, apoiando Lula e evitando uma divisão de votos da esquerda na disputa acirrada contra Jair Bolsonaro (PL).
Essa é também uma estratégia do partido para tentar garantir novamente espaço na prefeitura de São Paulo depois da oposição a Lula se tornar forte na cidade, avalia Glauco. Desde 2016, quando Haddad deixou o comando da capital paulista, o PT não conseguiu retornar ao Executivo do município, e um dos motivos é a falta de um nome de impacto. Nas últimas eleições, o candidato do partido, Jilmar Tatto, ficou em quinto lugar, com 8,55% dos votos.
Apesar de necessário diante da conjuntura, abrir mão de ter um candidato próprio para a prefeitura de São Paulo é "muito difícil" para o PT, analisa Rodrigo, já que o partido "quer sempre ter hegemonia sobre o processo eleitoral".
Se de um lado a aliança com o PSOL é uma forma da esquerda voltar à prefeitura de São Paulo, por outro é a possibilidade do PSOL dar força ao nome de Guilherme Boulos, que pode ser tornar o mais forte da esquerda, já que o PT não tem nenhum sucessor óbvio para Lula, que já terá mais de 80 anos nas próximas eleições presidenciais.
"O PT é um partido que organiza o campo eleitoral à esquerda e, hoje, o PT depende muito do Lula. Então, quando o PT abre mão de lançar uma candidatura própria em São Paulo para ter uma vice e apoiar o PSOL, surge a oportunidade de um relativo enfraquecimento do PT como o partido que organiza o campo", analisa Glauco.
"Ainda é tudo muito inicial, é evidente, mas esses aspectos já devem ser observados diante do fato de que o Lula deve sair do jogo político em breve, inclusive por conta da idade. Os partidos já começam a pensar no que será o mundo eleitoral pós-Lula, em como esse espaço será ocupado. E, como o PT não se renovou e não tem um sucessor natural, um nome óbvio, isso abre espaço para outros partidos, enfraquecendo o próprio PT", continua.
"O PSOL tem nomes mais claros, como o próprio Guilherme Boulos. Desse ponto de vista, essa aliança entre PT e PSOL em São Paulo é bastante vantajosa para o PSOL. Se essa chapa vencer as eleições, Boulos se lança e sua projeção nacional é natural. Sabemos que todo esse processo não é tão simples, mas vencer uma eleição na cidade de São Paulo não é pouca coisa, até porque é onde o PT surgiu, se fortaleceu e fez história", completa.