No decorrer das operações policiais que se estendem por um ano e meio, destinadas a dispersar a concentração de usuários de drogas na cracolândia (nome pelo qual é conhecida a região paulista com concentração de pessoas em situação de rua, dominada pelo crack), dependentes químicos agora buscam abrigo estratégico sob os viadutos e túneis movimentados da região central de São Paulo.
Nos últimos três meses, houve um notável aumento no fluxo de dependentes químicos em duas áreas específicas da capital paulista, de acordo com moradores e trabalhadores locais, como mostrou a Folha de S. Paulo. O primeiro ponto abrange o trecho do final do viaduto Júlio de Mesquita Filho, abaixo da praça Roosevelt, até o início do elevado presidente João Goulart (o "Minhocão"), na Consolação. O segundo foco está concentrado no segmento próximo ao túnel José Roberto Fanganiello Melhem, estabelecendo uma conexão entre a avenida Paulista e a movimentada Rebouças.
Sem acesso à moradia, os usuários, em busca desses refúgios emergentes, revelam a dinâmica no cenário da cracolândia, que desafia as estratégias implementadas até o momento – nos âmbitos municipal e estadual. Enquanto as operações policiais persistem, a cidade de São Paulo enfrenta um novo capítulo na complexa narrativa do enfrentamento ao uso de drogas e suas ramificações urbanas.
No dia 17 de agosto, a Guarda Civil Metropolitana (GCM) realizou uma operação na cracolândia com bombas de gás para dispersar os grupos – medida considerada ineficaz por especialistas, que apontam o acesso à moradia como primeiro passo para resolver o problema. A advogada Amarilis Costa argumenta que, por trás dos problemas da cracolândia, há a especulação imobiliária, além da falha do poder público em limitar sua atenção à esfera da segurança pública.
“Existe um desvio da finalidade da GCM e um uso de seu aparato no sentido de constranger, criminalizar as pessoas que ali estão, um uso da GCM como força policial”, disse em entrevista à Agência Brasil. “A condução na Cracolândia é colocada nesse território, nessa região, dessa forma, justamente para viabilizar o barateamento dos imóveis, com vistas a uma grande especulação imobiliária”, denunciou Costa.
“O projeto de isenção de IPTU é uma articulação dos comerciantes da região, dos proprietários de pequenos comércios, de imóveis, que se entendem prejudicados, mas ele [projeto], obviamente, não é uma forma adequada, organizada de resolver o problema, porque dá o protagonismo a quem detém propriedade privada, o protagonismo de um problema social, e, em nenhum momento, articula soluções efetivas de acolhimento, reparo e redução de danos para quem está sendo marginalizado e explorado”, complementou a advogada.
Aglomeração de dependentes químicos
A cracolândia é o ponto de maior concentração dos dependentes químicos em São Paulo, e já passou por 18 ruas na capital – os dependentes químicos frequentemente migram –, até retornar ao mesmo lugar, entre a Luz, Santa Ifigênia e Campos Elíseos. Nas áreas da avenida Paulista e Roosevelt, diferente da cracolândia, há uma presença muito menor dos dependentes, mesmo com o aumento.
No túnel em direção ao Minhocão, a aglomeração é vista durante as horas noturnas, quando moradores e pedestres podem flagrar usuários consumindo drogas nas calçadas dos dois sentidos, até mesmo no canteiro central. Ao longo do dia, os dependentes químicos encontram esconderijos para fumar crack nas proximidades do acesso ao elevado.
Apesar do fluxo intenso de veículos, considerando a importância da via como uma conexão vital com a Zona Leste, a região é atravessada incessantemente pelos usuários, que desconsideram os perigos iminentes de atropelamentos. Em 22 de outubro, um motorista atropelou 16 pessoas na cracolândia, na região da Santa Ifigênia. Segundo o condutor do veículo, o acidente aconteceu após ter sido assaltado.
As equipes da Polícia Militar (PM) e GCM têm intensificado abordagens a usuários nos recém-surgidos pontos de concentração, enquanto os agentes da prefeitura se ocupam da limpeza da área, retirando lonas e barracas que funcionam como refúgio. Lâmpadas quebradas pelos dependentes (para aumentar o sigilo enquanto usam drogas) costumam ser repostas, mas o resultado dura pouco e as atividades retomam sua normalidade poucas horas após a intervenção.
Na prática, o consumo de drogas ocorre sob os olhos das forças de segurança das administrações do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do prefeito Ricardo Nunes (MDB), visto que na praça Roosevelt estão localizados um batalhão da PM e uma base da GCM.
Os usuários permanecem sob o complexo de viadutos que dá acesso às avenidas Rebouças e Doutor Arnaldo, montando barracas para realizar o consumo de drogas. Anteriormente, ocupavam a calçada do túnel sob a Praça do Ciclista, no final da Paulista. O local foi alvo de intervenção do poder público, com uma base móvel da PM e agora , na calçada do túnel, grades fixas foram instaladas.
A Prefeitura de São Paulo informou que as regiões mencionadas recebem assistência do Consultório na Rua, que realiza ações rotineiras, incluindo o acolhimento de pessoas necessitadas de cuidados de saúde, e busca sensibilizar aqueles dispostos a iniciar voluntariamente o tratamento para o uso prejudicial de substâncias.
Segundo a gestão de Ricardo Nunes, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana intensificou o patrulhamento comunitário e preventivo, aumentando o número de viaturas e motos em pontos estratégicos do centro de São Paulo.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP), as ações da Polícia Civil na região central resultaram em 404 flagrantes, 634 prisões e apreensão de 659 celulares até 1º de outubro. Na área da avenida Paulista, a Polícia Civil implementou a Operação Speed Bike para conter criminosos que utilizam bicicletas para cometer roubos e furtos de celulares.