Áreas de risco geológico representam 1,2% da área total de São Paulo
Rovena Rosa/Agência Brasil
Áreas de risco geológico representam 1,2% da área total de São Paulo

A Prefeitura de São Paulo empenhou neste ano menos de 20% do orçamento previsto para obras e serviços preventivos em áreas de risco geológico, como deslizamentos de terra. Os dados fornecidos pela própria Secretaria da Fazenda da gestão de  Ricardo Nunes (MDB) contrariam as diretrizes do Plano de Ação Climática do município.

Até meados de outubro, do total de R$ 72 milhões orçados para realizar ações de prevenção em áreas de risco geológico em 2023, R$ 59,8 milhões estavam parados nos cofres municipais. Apenas R$ 12,1 milhões (16,9%) tinham sido empenhados, ou seja, reservados pela Prefeitura para serem gastos para este fim.

O orçamento para a ação é distribuído entre a Secretaria Municipal de Subprefeituras, as Subprefeituras de Jabaquara, Cidade Ademar e Casa Verde/Cachoeirinha e recebe recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano e do Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura.

De acordo com o  Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, as áreas de risco geológico representam 1,2% da área total do município, o que corresponde a cerca de 1.600 campos de futebol ou quase 12 Parques do Ibirapuera, e são definidas como regiões “sujeitas a escorregamentos e solapamentos de margens de rios e córregos, processos em sua maioria induzidos pela ação humana”.

Mais de 674 mil paulistanos estão expostos a deslizamentos, inundações e enxurradas, segundo análise do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados do Censo de 2010.

Os gastos da gestão municipal nessas áreas de risco têm sido mais de resposta a emergências do que de prevenção. Obras de caráter emergencial tiveram R$ 83,4 milhões empenhados – 99% do orçamento previsto para a ação – ou quase sete vezes o empenho com prevenção. Segundo a Prefeitura, as obras emergenciais são contratadas pela Secretaria Municipal de Infraestrutura e Obras “exclusivamente nos casos onde há risco iminente para a vida dos munícipes, ou para a estabilidade de estruturas”.

Área de risco na Vila Prudente, em São Paulo
Prefeitura de São Paulo
Área de risco na Vila Prudente, em São Paulo

A prioridade nas obras de emergência contraria as diretrizes do Plano de Ação Climática da Prefeitura. Segundo estabelecido no PlanClima, “o investimento na prevenção de desastres, mais do que na resposta a eles, é a opção recomendada, pois evita danos à vida ou aos bens materiais”.

“Os gastos com emergência podem custar muito mais caro do que a prevenção. É só pensar no caso de uma queda de árvore, a poda regular compensa muito mais do que deixar a árvore cair e causar uma série de estragos”, explica Regina Alvalá, coordenadora de relações institucionais do Cemaden, instituto que tem observado de perto na última década o aumento dos desastres climáticos no Brasil. Nesse contexto, ações que visem a prevenção podem fazer a diferença no tamanho dos danos e na quantidade de vítimas.

“Investimento em prevenção será sempre insuficiente”

Até 2022, o orçamento municipal não diferenciava os investimentos nas categorias de ações preventivas e emergenciais, ficando tudo contido na rubrica de obras em áreas de risco geológico. E o valor total para essas ações teve uma redução de 28% entre 2022 e 2023, de acordo com os dados da Secretaria Municipal da Fazenda. Passaram de R$ 217,8 milhões no ano passado para R$ 155 milhões no exercício atual, somando as duas categorias.

A comunicação que vem sendo feita pela Prefeitura, porém, indica gastos mais vultosos com prevenção de riscos causados por chuvas em 2023. Uma reportagem veiculada em março pela Secretaria Especial de Comunicação destacava que estava prevista a execução de R$ 1,5 bilhão.

A Agência Pública procurou a Prefeitura para entender o valor e obteve como resposta uma listagem dos projetos que vão além das obras em áreas de risco. Compõem a lista ações de intervenção e manutenção de sistemas de drenagem e de operação de sistemas de monitoramento e alerta de enchentes. Também foi incluído um projeto para obras de combate a enchentes e alagamentos, com orçamento atualizado de R$ 1.000.

O orçamento para esse conjunto de ações foi atualizado para R$ 2,6 bilhões, mas cerca de um terço (R$ 739 milhões) ainda não foram empenhados.

Para Paulo Pellegrino, professor do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e que trabalha na área de planejamento com sustentabilidade e infraestrutura verde, o aporte de verbas para prevenção não consegue compensar o impacto causado por outras obras que, segundo ele, agravam os problemas da cidade. “O investimento em prevenção será sempre insuficiente se nós não conseguirmos fazer com que os novos projetos de desenvolvimento urbano tenham um desenho mais amigável com o solo, a vegetação e as águas”, afirma.

De acordo com o arquiteto, a cidade de São Paulo passa por um processo de “desidratação de sua paisagem”, que oferece riscos à população. “Quando se impermeabiliza as encostas e as bacias hidrográficas para a construção de edificações e pavimentação de ruas, criando toda essa superfície dura que impede a água [da chuva] de ser absorvida no lugar onde ela cai, isso gera um excesso de água que aumenta muito rapidamente a concentração nos pontos mais baixos, favorecendo as enchentes. Nós continuamos tocando a cidade como se ela fosse a mesma de cem anos atrás, sem a adaptação necessária para receber os eventos extremos de clima que estão previstos”, explica.

“A substituição de áreas verdes por concreto faz com que a energia solar não seja usada para a fotossíntese, e sim para aumentar a temperatura. E são as ilhas de calor combinadas com o ar úmido do oceano que causam as tempestades mais fortes na cidade”, complementa Augusto Pereira, meteorologista e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. 

De acordo com o meteorologista, os investimentos em prevenção já deveriam ter sido feitos antes das chuvas começarem. O período de seca (mais intenso entre maio e agosto), frisa, é o ideal para realizar ações em áreas de risco, antecipando os possíveis danos causados pela chuva e evitando a interferência nas obras.

O que diz a Prefeitura de São Paulo

Até julho, o responsável pela Secretaria de Mudanças Climáticas da Prefeitura era Antônio Pinheiro Pedro, que renunciou após vir à tona uma declaração sua contradizendo o consenso científico sobre o tema. Ele minimizou a necessidade de ações humanas para combater as emissões de gases de efeito estufa ao dizer que o “o planeta se salva sozinho” do aquecimento global.

Seu sucessor, o ex-vereador e ambientalista Gilberto Natalini, concedeu entrevista à Pública um pouco antes de ser convidado a assumir o cargo, e criticou a administração das políticas de prevenção e combate às mudanças climáticas pelos últimos prefeitos de São Paulo.

Para ele, nas últimas três gestões municipais – de Fernando Haddad, João Doria e Bruno Covas/Ricardo Nunes –, “não era prioridade dos prefeitos fazer políticas públicas sérias na questão da prevenção e do combate às mudanças climáticas”. Natalini faz menção a conselhos, leis e programas municipais existentes no papel que poderiam ter uma atuação muito mais intensa, como o Comitê de Mudança do Clima e Ecoeconomia, que teve sua última reunião ordinária em 2021.

Ele disse ainda que a prevenção de desastres climáticos envolve a própria urbanização da cidade e listou ações que poderiam ser empregadas pela Prefeitura para utilizar o dinheiro público parado nos cofres, como implementação de calçadas permeáveis, aumento de áreas verdes e renovação de galerias de drenagem – todas com o objetivo de aumentar a absorção de água no solo e evitar alagamentos nas regiões mais baixas.

A reportagem voltou a procurá-lo após Natalini assumir a Secretaria de Mudanças Climáticas, mas ele não quis mais se pronunciar.

Em resposta a pedido de posicionamento, a Secretaria de Comunicação da Prefeitura afirmou que o Programa Municipal de Redução de Riscos (PMRR) está em andamento e é formado por um grupo de trabalho intersecretarial. Segundo a nota, os primeiros projetos começarão a ser entregues em outubro, o que permitirá a licitação das obras.

“O PMRR é elaborado com objetivo de conduzir, de forma unificada, o gerenciamento, monitoramento e intervenções nas áreas de risco no município de São Paulo. O programa abrange projetos para 100 áreas consideradas prioritárias, planos e procedimentos, bem como a criação de um banco de dados que irá compilar dados e informações que servirão de indicadores para definição de estratégias para lidar com a gestão de riscos no município, atendendo ao disposto no artigo 300 do Plano Diretor Estratégico.​”

Em relação às obras preventivas, a Secretaria Municipal das Subprefeituras informou que estão reservados recursos para canalização de córrego, que se encontra em fase de licitação. E disse que dos recursos empenhados, foi liquidado 65% do montante, equivalente a R$ 4,8 milhões.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!