Imagens sem edição de vídeo com Gabriel Monteiro mostram que ele orientou criança a dizer que estava com fome
Reprodução/TV Globo - 02.04.2022
Imagens sem edição de vídeo com Gabriel Monteiro mostram que ele orientou criança a dizer que estava com fome

O vereador e youtuber Gabriel Monteiro (PL) tinha um método específico para escolher as pessoas que participariam como personagens de seus vídeos. Ele determinava que os assessores fossem às ruas, conversassem ou fotografassem pessoas vulneráveis para que escolhesse quais iria abordar. Isso teria acontecido inclusive, nas produções em que o vereador abordou uma criança cuja mãe vendia bala na rua e orientou sobre o que teria que falar. E também da criança de dez anos que levou para cortar o cabelo e que teria acariciado. As informações constam do depoimento de Vinícius Hayden Witeze, uma das testemunhas do processo contra Gabriel por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Câmara dos Vereadores, que na semana passada aprovou por unanimidade (7 votos a zero) o relatório de Chico Alencar (PSOL) que propõe a perda de mandato.

"Quem roteirizava tudo era o Gabriel (...) (ele) dizia como ia ser do início, meio e fim. Ele fala assim: “Eu quero uma pessoa negra, eu quero uma pessoa com cabelo desgrenhado, eu quero uma pessoa com aspecto de pobreza, eu quero uma pessoa vulnerável e que esteja ali num sinal, na rua, alguma coisa, para poder gravar. Vai para a rua e arruma (...)", disse o ex-assessor, que morreu dias depois ao depoimento, no fim de maio em um acidente de carro.

Em outro trecho do depoimento, Vinicius Hayden também declarou que havia sofrido ameaças por ter se voltado contra Gabriel Monteiro e pensava em pedir proteção policial. Ele chegou a afirmar que mudou totalmente seus hábitos de vida:

"Que eu vou morrer, que vão me pegar, isso está tudo impresso aqui também. Eu imprimi, trouxe para os senhores e entreguei também na delegacia. Eu queria muito saber até como faz para pedir proteção, porque não tenho segurança nenhuma. Moro em um município que tem um alto índice de homicídio, que é Belford Roxo, eu não me sinto protegido nem um pouco..", contou.

O relator da CPI, Chico Alencar (PSOL),contou que a testemunha havia se comprometido em entregar na semana seguinte os prints de mensagens trocadas com Gabriel. Em um dos textos, haveria orientação para que espionasse os vereadores:

"Mas morreu antes. Oficialmente, teria sido acidente, mas ainda há investigações em andamento. Foi tudo muito estranho. A gente não entendeu por qual motivo ele viajou repentinamente para a Região Serrana mesmo se sentindo ameaçado", disse Chico.

Advogado de Vinicius, Carlos Viana disse que orientou o cliente a organizar o material.

"Gabriel fazia uma série de anotações de ideias de vídeo e repassava para ele. Vinicius explicou que precisava organizar esse material. Não sei onde eventualmente esse material ficou armazenado. O que ele contou é que num desses papéis Gabriel tinha a ideia de tentar flagrar algum vereador em situação de corrupção, como exigindo rachadinha de parte do salário", disse Carlos.

No fim do depoimento, Vinicius se referiu a ofensas que recebeu na rua:

"Até na rua eu escuto: “Traidor! Filha da puta!”, desculpa o termo, “Seu merda”, como já ouvi isso. Então, eu não tenho nem saído durante o dia de casa. Eu só saio de madrugada ou à noite. Eu acabei trocando meu horário."

O teor dos depoimentos foi revelado em parte pelo Fantástico neste domingo. Na sexta-feira, com o término dos trabalhos do conselho, foi decretada a quebra do sigilo do conteúdo do material, ao qual O GLOBO também teve acesso. Nesta segunda-feira, a defesa de Gabriel Monteiro apresenta à Comissão de Justiça e Redação um último recurso contra a decisão do Conselho de Ética. A previsão é que a Comissão de Justiça delibere sobre o tema na quarta-feira. Se não houver ressalvas, a matéria deve chegar ao plenário na quinta-feira,dia 18. Para que Gabriel Monteiro perca o mandato é preciso que 34 dos 51 vereadores sigam a recomendação do Conselho de Ética. Na prática, apenas 50 vereadores poderão participar, já que Carlos Bolsonaro (Republicanos) pediu licença do mandato.

O ex-assessor afirma que a intenção de Gabriel com os vídeos nunca teria sido ajudar às pessoas, mas ganhar dinheiro com as visualizações:

"A finalidade do vídeo não era o social. Nunca foi o social. O fim mesmo do vídeo era a monetização dele. Então, quando mais triste ele criasse uma narrativa, quanto pior fosse essa história, melhor seria porque vai viralizar o vídeo, e ele vai lucrar muito mais, vai ganhar muito mais dinheiro em cima desse vídeo. Então, essa era a real intenção: a monetização dos vídeos."

Ainda sobre as abordagens, Hayden contou como Gabriel escolheu a criança para a qual organizou a vaquinha virtual :

"Ia mandando fotos para ele, ou para o Rick (Dantas, chefe de gabinete de Gabriel, ou no grupo de apurações, todos eles no meu celular. E ali, falava: esse aqui serve? Ele respondia: “Não, não serve. Está muito limpa, tem que estar mais suja... Tem que estar mais isso, não é ainda o que a gente quer...” Aí, quando achava a pessoa... “Achamos. Beleza! Perfeito! Serve... Manda a localização” Eu mandava a localização, e aí eu já conversava com a pessoa: “Olha, você vai ter um dia especial, diferenciado, com um Youtuber que está vindo aí. Queria saber se você topa". A pessoa respondia que topava. Ia ao shopping, comprar roupa, isso aquilo..." contou o ex-assessor.

No caso da menina de 10 anos, Hayden contou que a intenção inicial não era levar a criança para cortar o cabelo. O foco era encontrar uma mulher pobre que se encaixasse em um perfil de vídeo:

"Encontrei, na verdade, a mãe dela. O Gabriel queria dar um dia de princesa para uma mulher. Então, encontrei o perfil que ele queria. Só que quando ele chegou lá, ele viu a criança, filha da mulher, e ele achou que aquilo ali era mais atrativo pro vídeo que uma mulher com mais idade porque era criança, e criança gera mais visualização", declarou.

Hayden conta que conheceu Gabriel Monteiro em 2018, quando o vereador ainda estava na PM e já acumulava um milhão de seguidores. Os dois integravam o Movimento Brasil Livre (MBL), grupo politico conservador, que elegeu entre outros o próprio Gabriel. Entre os eleitos originalmente pelo movimento estão ainda: as deputadas federais Bia Kacis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP), o vereador Fernando Holiday (Novo-SP), o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). Segundo o ex-assessor, outro político do movimento, o deputado cassado Arthur do Val (Mamãe Falei) serviu de inspiração para Gabriel produzir seus primeiros vídeos:

"Eram uns vídeos um pouco mais diferenciados. Um vídeo em que a gente se espelhava muito no deputado que até perdeu o mandato, Arthur do Val, lá de São Paulo (...). A gente ia para as manifestações de esquerda para pegar as pessoas que estavam um pouco mais afastadas da manifestação, e questionar, ver que eram pessoas mais preparadas para poder fazer aquele confronto, onde se envergonha a pessoa e gera-se um vídeo."

Segundo o ex-assessor, no início a equipe que fazia as produções tinha apenas três pessoas. Ele, Gabriel Monteiro e o chefe de gabinete do vereador, Rick Dantas, a quem definiu como uma pessoa que ocupava o cargo de forma ‘’apenas documental:’’

"É o seguinte: ele é nomeado como chefe de gabinete, mas é responsável da mídia do Gabriel Monteiro; ele é o chefe de mídia . Ele não pisa nessa Câmara. Na verdade, quem é o chefe de gabinete é o advogado, ali atrás (na sala onde foram realizadas as reuniões do conselho), Dr. Gustavo (Lima), que atua como chefe de gabinete", declarou.

Gustavo Lima chegou a comparecer ao enterro de Vinicius, mas foi expulso do local por parentes do ex-assessor.

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