Quantidade de maconha vai diferenciar uso pessoal e tráfico
Agência Brasil
Quantidade de maconha vai diferenciar uso pessoal e tráfico

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu o limite de 40 gramas de maconha como critério para diferenciar usuários de traficantes deve gerar significativos impactos nos processos e condenações judiciais envolvendo drogas no Brasil. Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 7,2% das pessoas processadas por tráfico no país portavam até 40 gramas de Cannabis no momento da apreensão policial.

O estudo, intitulado "Critérios Objetivos no Processamento Criminal por Tráfico de Drogas", analisou 5.121 processos em tribunais estaduais no primeiro semestre de 2019, destacando que em seis estados brasileiros a mediana de maconha apreendida e que resulta em processo por tráfico é inferior a 40 gramas. Isso implica que uma parcela significativa dos réus poderia ser beneficiada pela presunção de inocência como usuários, não traficantes.

Seis estados têm medianas de apreensão de maconha menores que 40 gramas: Pará (35), Amapá (34), Piauí (26), Espírito Santo (23), Roraima (23) e Amazonas (20). Em contraponto, a mediana nacional é de 85 gramas, evidenciando as disparidades regionais nas políticas de repressão ao tráfico de drogas.

A pesquisa revelou que, em 58,7% dos casos por tráfico de maconha, foram apreendidas quantidades inferiores a 150 gramas da substância. A aplicação do novo limite estabelecido pelo STF poderia impactar diretamente a classificação dos réus e, potencialmente, reduzir o número de condenações por tráfico em casos de apreensões menores.

Milena Karla Soares, pesquisadora do Ipea, destacou que as apreensões de cocaína tendem a ter um impacto maior nas condenações por tráfico do que as de maconha, ressaltando a necessidade de critérios objetivos também para outras drogas, dado o contexto de estigma associado e a tendência de enquadramento de usuários como traficantes.

"É necessário avançar na definição de critérios objetivos para outras drogas, principalmente cocaína, tendo em vista que o estigma associado a essas substâncias faz com que usuários estejam mais sujeitos a serem enquadrados como traficantes", disse ela ao jornal O GLOBO, em relação à decisão do STF.

Uma pesquisa subsequente do Ipea, intitulada “Perfil do processado e produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas”, revelou medianas significativamente variadas de apreensão de maconha pelo país, impactando diretamente os processos por tráfico de drogas.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a mediana é de 147 gramas, enquanto no Amazonas é de apenas 20 gramas, indicando que essa quantidade é suficiente para que um amazonense seja processado como traficante. Mato Grosso do Sul apresenta a mediana mais alta, com 1,1 kg, atribuída à rota de entrada de drogas do Paraguai na região.

Os resultados dessas pesquisas foram fundamentais para o capítulo do Atlas da Violência 2024, que destaca que 49% dos réus processados por tráfico alegaram ser usuários ou ter vício em drogas, enquanto 30% afirmaram que a droga apreendida se destinava a uso pessoal. O Atlas conclui que a aplicação da lei penal de drogas frequentemente visa os pequenos traficantes, muitos dos quais se confundem com a figura do usuário, vendendo drogas para financiar seu próprio consumo ou sendo erroneamente classificados como traficantes.

As análises do Ipea não realizaram cruzamentos entre apreensões de maconha e outros elementos de acusação, mas identificaram que em 59,4% dos processos por tráfico de drogas houve apreensão de dinheiro, e em 20,4% foram encontradas balanças, reforçando a complexidade das evidências consideradas nos processos criminais por tráfico de drogas.

"De fato, essa ressalva é importante, pois nossas estimativas estão baseadas unicamente no elemento quantidade de droga. Pesquisas qualitativas já demonstraram que juízes mobilizam esses elementos para condenar, mas isso tem sido objeto de críticas. Por exemplo, até que ponto ter dinheiro faz prova de tráfico?", complementa Milena Soares.

Em nota, a Defensoria Pública de São afirma que aguarda a publicação “do acórdão para avaliar a possibilidade de promover mutirão para análise das faltas graves que eventualmente tenham sido aplicadas às pessoas presas em razão de porte de drogas (Artigo 28 do Código Penal)”.

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