André Micheletti, motorista da Mercedes, tomando sol
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André Micheletti, motorista da Mercedes, tomando sol

O dono de uma Mercedes segue impune após bater em uma Ecosport no ano de 2018 e deixar dois mortos, além de um bebê paraplégico. A suspeita é de que o empresário André Veloso Micheletti disputava um racha contra um Camaro na época. O acidente ocorreu na rodovia Imigrantes, em São Paulo.

Entenda o caso

A tragédia aconteceu por volta das 21h, quando a Ecosport voltava para São Paulo após dois dias na Baixada Santista. No veículo estavam, André Gonçalves, com 39 anos na época, a esposa, com 40, e os filhos de 1, 2 e 5 anos. Além deles, havia também um amigo de André, Wesley Bispo, que tinha 20 anos, a mulher, de 21, e o filho de 1 ano e sete meses.

Segundo André, que dirigia a Ecosport, o veículo estava a 120km/h, quando de repente "só sentiu o impacto" e viu o veículo rodopiar na pista "mais de 20 vezes" até parar no gramado.

Vítimas do acidente

A esposa de André e de Wesley morreram com a batida. André e o filho de Bispo ficaram paraplégicos.

Quando o carro parou, só André e Wesley, que estava no banco do passageiro, estavam conscientes. Bispo olhou para o banco de trás e viu a esposa de Gonçalves já morta e sua mulher desmaiada.

A mulher de Bispo ainda chegou a acordar, mas não resistiu. Ele então retirou o filho do colo da esposa e entregou para uma pessoa que se aproximou do veículo para ajudar.

Gonçalves tentou sair do carro e não conseguiu. Ele achou que suas pernas haviam sido arrancadas, enquanto o puxavam para fora do veículo. Nessa hora, o carro começou a pegar fogo.

Investigações

De acordo com o laudo e a simulação, os fatos "conferem verossimilhança à versão" das vítimas. "Uma simulação no local do acidente com veículo idêntico ao Mercedes estimou que a velocidade do veículo estava entre 134 km/h até 298 km/h", diz relatório.

A suspeita dos investigadores é a mesma das vítimas, que apontaram que André Veloso Micheletti disputava um racha contra um policial que dirigia um Camaro preto. 

Uma das testemunhas disse que "viu de relance o Camaro". O veículo passou "dois ou três segundos após a Mercedes e então aconteceu o acidente", disse a testemunha. "[Ele] deduziu que a Mercedes e o Camaro estavam tirando um 'racha', pois os veículos passaram em alta velocidade um após o outro", segundo a ação.

Contudo, o racha não pôde ser comprovado pela Justiça. "Não se pode afirmar, com razoável grau de certeza, que o réu disputava competição de corrida não autorizada, na via pública, popularmente conhecida como 'racha'", escreveu o juiz Gustavo Kaedei.

O que diz o motorista da Mercedes?

No processo, obtido pelo UOL, Micheletti negou que tenha disputado um racha naquele dia. Ele disse ainda que ajudou a salvar as vítimas e culpou Gonçalves pelo acidente.

"A Ecosport, sem qualquer sinalização, invadiu a faixa da esquerda, de modo que a dianteira direita de seu veículo chocou-se com a traseira esquerda da Ecosport", disse André.

Contudo, o laudo indica que "as provas são robustas e historiam de modo inconteste o excesso de velocidade, como a falta de mantença de distância frontal do veículo que vinha em frente, tudo devidamente comprovado por laudo pericial".

Segundo o advogado de Guilherme e Bispo, Cezar Augusto Oliveira, "atualmente, o processo criminal está parado esperando a realização de um laudo sobre o Camaro".

André Micheletti foi preso no dia do acidente, mas foi solto após 44 dias porque a Justiça considerou que ele não representava perigo às investigações.

Gonçalves e Bispo moveram processos separados contra Micheletti no âmbito civil. Eles solicitaram compensação por danos morais, reembolso de despesas médicas, custos com os funerais de suas esposas e uma pensão vitalícia, entre outros itens. Segundo Cezar Augusto Oliveira, advogado representante de ambos, os montantes atualmente em questão são de aproximadamente R$ 1,5 milhão para Gonçalves e R$ 500 mil para Bispo, considerando a correção por juros.

Micheletti foi condenado em primeira e segunda instância, porém ainda não realizou o pagamento.

A sentença favorável a Bispo foi emitida em novembro de 2021, enquanto a de Gonçalves veio em junho do ano seguinte. A defesa apelou da decisão junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Oliveira disse ao UOL que: "Em Brasília, há a possibilidade de alterar os valores da compensação, porém, o mérito já foi estabelecido nas instâncias inferiores".

Bens escondidos

Mercedes estaria em nome de outra pessoa. O Porsche, em nome de Macheletti, estaria
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Mercedes estaria em nome de outra pessoa. O Porsche, em nome de Macheletti, estaria "escondido"


Segundo o advogado de Gonçalves e Bispo, Micheletti esconde os bens para não indenizar as vítimas. "A Justiça bloqueou dois apartamentos, uma Mercedes, duas Range Rover e um Porsche ", disse. "O CPF da esposa dele e o CNPJ de uma das empresas da mulher dele também foram bloqueados."

"As Range Rover e a Mercedes são de uso particular dele, mas estão em nome de terceiros, como o sogro, um dentista em Taubaté", disse Oliveira.

"Micheletti entrou com recurso pedindo desbloqueio dos veículos. Mas se não são dele, por que ele tem interesse em desbloquear?, questionou o advogado.

O que dizem as vítimas?

Gonçalves e Bispo disseram que esperam que a indenização seja paga, mas queriam que André Micheletti estivesse preso.

"Foi difícil aceitar a paralisia e perder a mulher com quem vivi por 20 anos", recorda. "No primeiro ano, achei que não conseguiria superar. Eu só pensava em morrer. Antes, eu acordava de madrugada para trabalhar e, de repente, estava na cama recebendo comida no prato", disse Gonçalves.

Hoje, ele trabalha como feirante e guincheiro de carro. "A família ajuda bastante. Os filhos de 7 e 9 anos moram com a avó, e a menina de 11 anos mora comigo. Agora quero me estruturar pra trazer os outros dois", afirma a vítima.

"Eu queria vê-lo pelo menos uns dez anos preso, mas ele tem dinheiro, não fica na cadeia... O que nos resta é receber uma indenização para viver uma vida melhor", completa ao UOL.

"Quando abri o olho, a minha vida toda tinha mudado. Minha mulher morreu no dia seguinte, ao meu lado no hospital. Enterrei ela num dia e no outro fui ver meu filho", afirmou Bispo.

"Eu ia para delegacia, Fórum, audiências, levava meu filho para a fisioterapia, no transporte público. Minha vida mudou de forma tão bruta, que não vivi o luto", diz Wesley, que hoje trabalha como motorista de aplicativo para sustentar o filho.

"Eu tinha meu momento de chorar à noite em casa e acordar as cinco da manhã pra correr atrás de tudo. Ficam a saudade dela, as memórias", acrescenta.

"O que mais me magoa é o motorista ainda não ter sido preso. Ele matou duas pessoas, deixou quatro órfãos e dois paraplégicos. Ele destruiu nossas famílias e está solto", finaliza Wesley Bispo.

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