A Polícia Federal (PF) utilizou dados de registros de celulares e de entrada e saída do Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente da República, na investigação sobre uma minuta de decreto que previa a prisão de Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e a convocação de novas eleições após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) na disputa de 2022.
As informações constam de um documento da investigação obtido pelo blog da Andreia Sadi, do g1.
A existência da minuta foi revelada à PF pelo tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro ao longo de todo o mandato, em delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Registros da movimentação no Alvorada e dados de Estações Rádio Base (ERB) permitiram à corporação corroborar o relato de Cid e obter mais detalhes sobre participantes das discussões sobre a minuta do decreto e as formas como eles se comunicaram.
A partir dessas informações – e de dados descobertos no celular de Mauro Cid – , a PF afirma que Bolsonaro sabia da existência da minuta, pediu e fez ajustes no teor dela e a apresentou a militares também investigados por tentativa de golpe de Estado para manter o agora ex-presidente ilegalmente no poder.
Segundo a PF, a cronologia foi a seguinte:
19 de novembro: minuta é apresentada ao Bolsonaro. Em reunião no 19 de novembro de 2022, 20 dias após o 2º turno da eleição que deu vitória a Lula (PT), Bolsonaro recebeu no Palácio do Alvorada o então assessor da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, o advogado Amauri Saad e o padre José Eduardo de Oliveira e Silva.
Os nomes dos três aparecem nos registros de controle e de saída do Palácio do Alvorada e os dados de seus celulares, no histórico das Estação Rádio Base (ERB) da região do imóvel.
Os dados de controle de entrada e de saída do Alvorada indicam que Martins entrou pelo portão principal às 14h59, no mesmo horário que o padre José Eduardo. Mauro Cid estava no Alvorada desde as 8h34 da manhã.
Nesse encontro, foi apresentada ao ex-presidente a minuta de decreto que, segundo a investigação da PF, detalhava diversos “fundamentos dos atos a serem implementados” em razão do que os apoiadores do presidente consideravam interferência do Judiciário no Poder Executivo.
A minuta pedia a prisão dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O documento também previa a realização de novas eleições.
Cid disse em delação à PF que, nesse encontro, Bolsonaro determinou a Martins alguns ajustes na minuta deste decreto, permanecendo apenas a prisão de Moraes e a realização de novas eleições.
7 de dezembro: minuta é alterada. Filipe Martins retornou ao Palácio do Alvorada em 7 de dezembro com a minuta ajustada a pedido de Bolsonaro. Neste encontro, segundo a PF, o ex-presidente aprovou as alterações. A nova versão excluía as prisões de Gilmar Mendes e Rodrigo Pacheco, mas mantinha a de Alexandre de Moraes, além da ordem de realização de novas eleições.
No mesmo dia, Bolsonaro pediu uma reunião para apresentar a minuta do decreto ao general Freire Gomes, comandante do Exército, ao almirante Garnier Santos, comandante da Marinha, e ao ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira.
- Tércio Arnaud: ex-assessor de Bolsonaro, considerado um dos pilares do chamado “gabinete do ódio” - Ele entrou às 7h26 e saio às 20h49, ou seja, esteve no horário em que se tratou sobre a minuta;
- Sergio Rocha Cordeiro: ex-assessor de Bolsonaro que cedia seu imóvel funcional em Brasília para o ex-presidente fazer lives. Ele chegou ao Alvorada às 7h20. Não há registro de saída para este dia.
No encontro, Filipe Martins apresentou ponto a ponto as informações da minuta, segundo a PF.
9 de dezembro: Bolsonaro enxuga pontos do decreto e apresenta a general que ofereceu tropas. Em 9 de dezembro, a investigação afirma que Bolsonaro fez alguns ajustes na minuta do decreto para enxugar pontos do texto.
Nesse dia, Bolsonaro se reuniu no Alvorada com o general Theophilo Gaspar de Oliveira, então comandante de Operações Terrestres. Segundo a PF, ele era quem estava disposto a cumprir as determinações relacionadas ao golpe de Estado se Bolsonaro viesse a assinar o decreto. O general esteve presente no Alvorada, das 18h25 às 19h18, segundo dados encaminhados pelo GSI.
Cid ficou entre 9h45 e 20h23 no Alvorada na data. Dentro desse período, ele mandou uma mensagem ao comandante do Exército, Freire Gomes, pelo aplicativo de comunicação do Exército, o UNA.
"O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né?”, disse Cid. "E hoje o que ele fez hoje de manhã? Ele enxugou o decreto, né? Aqueles considerandos que o senhor viu e enxugou o decreto".
No áudio analisado pela PF, Cid disse que Bolsonaro iria falar com o general Theophilo após enxugar a minuta, dando a entender que a adesão do comandante era um dos elementos essenciais para o plano que estava em andamento.
"E o que ele comentou de falar com o general Theophilo. Na verdade, ele quer conversar". Por fim, Cid adverte Freire Gomes que se a "força não incendiar, o status quo mantem aí como o que está previsto, que estava sendo feito (...)", apontam os áudios obtidos pela PF.
Bolsonaro falou, no mesmo dia, com apoiadores na frente do Alvorada, após semanas de silêncio passadas as eleições.
"Alguns falam do meu silêncio. Há poucas semanas, se eu saísse aqui e desse bom dia, tudo seria deturpado, tudo seria distorcido", reclamou Bolsonaro. "Estou há praticamente 40 dias calado. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz no meio de vocês, mesmo arriscando a minha vida no meio do povo”.
A investigação da PF alega que o discurso desse dia foi realizado para "manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente da República, juntamente com as Forças Armadas, tomaria uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, para atender o 'apelo popular', fato que estava efetivamente em curso naquele momento".
Outro lado
A defesa do ex-presidente afirmou ao blog da Sadi que Jair Bolsonaro "jamais compactuou com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".
Os advogados explicaram que o documento de cunho golpista encontrado no gabinete de Bolsonaro foi impresso para que ele "pudesse tomar conhecimento" de materiais mencionados na investigação da Polícia Federal.
"O ex-presidente — desconhecendo o conteúdo de tais minutas — solicitou ao seu advogado criminalista, Dr. Paulo Amador da Cunha Bueno, que as encaminhasse em seu aplicativo de mensagens, para que pudesse tomar conhecimento do material dos referidos arquivos".
"A impressão provavelmente permaneceu no local da diligência de busca e apreensão ocorrida na data de hoje, que alcançou inclusive o gabinete do ex-presidente, razão pela qual lá foi apreendido", acrescentaram.
Em nota, a defesa também criticou a medida que apreendeu o passaporte do ex-presidente. Segundo eles, a determinação foi "absolutamente desnecessária".