Nesta terça-feira (23), o portal The Intercept Brasil revelou que Ronnie Lessa, o ex-PM acusado de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista dela, Anderson Gomes, delatou à Polícia Federal o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, como mandante do crime.
Contudo, os advogados de Lessa afirmaram desconhecer a suposta delação, revelada a princípio pelo jornal O Globo. Caso seja real, o acordo ainda precisará ser homologado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois Brazão tem foro privilegiado devido ao seu posto de conselheiro vitalício do TCE-RJ.
Na suposta delação em questão, Ronnie Lessa teria dito que Brazão encomendou a morte de Marielle para se vingar de Marcelo Freixo, ex-deputado estadual pelo PSOL, hoje filiado ao PT e presidente da Embratur.
Procurado pelo iG, Freixo disse que por enquanto não deseja se pronunciar sobre o assunto. "A investigação não foi concluída, não tem delação assinada. Toda essa especulação pode atrapalhar a investigaçã, é preciso prudência. Quem fala sobre investigação é quem investiga. Fora isso, tudo é especulação."
A professora de ciência política da UFRJ, Mayra Goulart, é muito importante esperar que a investigação avance para podermos ter certeza do que realmente aconteceu.
"Ronnie Lessa é criminoso, um matador que tem envolvimento com vários criminosos, vários políticos, que não são restritos ao âmbito do Rio de Janeiro. A família Brazão é uma família importante, mas ela está, de alguma maneira, restrita ao âmbito do Rio de Janeiro. O crime contra a Marielle pode atingir também políticos em âmbito nacional, e Domingos Brazão seria um bode expiatório muito interessante, porque é alguém que já tem uma trajetória ligada ao crime organizado, à milícia e, portanto, e tem esse confronto com o deputado federal Marcelo Freixo. Daí a possibilidade de ele ser um bode expiatório ou testa de ferro para proteger outros possíveis mandatários."
Quem é Domingos Brazão?
Nascido no Rio de Janeiro em 7 de março de 1965, Brazão é um empresário do ramo dos postos de gasolina e político conhecido com uma longa carreira no estado. Seu histórico de problemas com a Justiça é tão longo quanto a sua carreira política.
No ano de 1987, no seu aniversário de 22 anos, Domingos Brazão matou um vizinho, Luiz Cláudio Xavier dos Reis, que apareceu no churrasco de comemoração acusando um de seus irmãos de ser amante da esposa dele. Ao deixar o local pilotando uma moto, Luiz foi perseguido por um carro e baleado na nuca, sem chance de se defender.
Domingos negou o crime a princípio, mas foi reconhecido por testemunhas e passou a alegar “legítima defesa”. "Matei, sim, uma pessoa. Foi um marginal que tinha ido à minha rua, na minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e à minha família", disse Brazão na Alerj. O processo foi adiado duas vezes na década de 90, depois passou oito anos parado sem qualquer explicação.
Em 2000, passou a tramitar no TJRJ, corte na qual, dois anos depois, a condenação foi rejeitada, fazendo com que o caso jamais tenha chegado ao Tribunal do Juri. "A Justiça me deu razão", disse Brazão.
A família Brazão, como um todo, é conhecida por inspirar medo através de ameaças a seus adversários políticos, principalmente na zona oeste do Rio de Janeiro, seu principal reduto eleitoral. Tal fama lhes rendeu o apelido de “Irmãos Metralha”, numa referência aos personagens criminosos dos gibis da Disney.
De acordo com a professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart, além de Domingos, a tradicional família Brazão também conta com o deputado estadual Pedro Brazão; e com Chiquinho Brazão, deputado federal afastado para ser secretário da prefeitura, cujo primeiro suplente, Ricardo Abraão, é parente de Anísio Teixeira, famoso bicheiro da cena carioca.
"É uma família de muito poder, e tem seus votos concentrados na zona oeste, muitas áreas que são tidas como áreas conflagradas pela milícia. Daí a associação entre a família Brazão e o crime organizado, que está suscitando a hipótese, reforçada pela delação premiada de Ronnie Lessa, de que Domingos Brazão seria um dos mandantes do crime contra Marielle, numa tentativa de vingança contra Marcelo Freixo, que levou a cabo essas investigações da CPI das Milícias na Alerj."
Como foi revelado pelo portal UOL, na época do julgamento do assassinato, o Ministério Público apontou a “índole violenta e perigosa” de Domingos Brazão, atestando que ele “constantemente portava arma e se unira a "grileiros" que disputavam a posse das terras na região. Ademais, ameaçara de morte a todos que pudessem delatá-lo, sendo, por isso, inicialmente muito difícil a sua identificação".
Ex-filiado ao MDB, Brazão foi eleito vereador do Rio em 1996, tornou-se deputado estadual em 1998 e concorreu à prefeitura da cidade maravilhosa em 2000, mas não obteve êxito.
Em 2002, Brazão voltou a se eleger deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), conquistando reeleições para o cargo em 2006 e 2010, ano em que seu mandato chegou a ser cassado pelo TSE, devido a acusações de compra de votos. No entanto, uma liminar concedida pelo então ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandowski (hoje indicado ao Ministério da Justiça), o reconduziu ao cargo.
O que pode parecer habilidade política num primeiro momento, se traduz como um comportamento agressivo e ameaçador para com os colegas de Assembleia. Ao longo do tempo em que Brazão permaneceu na Alerj, diversos parlamentares relataram que ele costumava se aproximar para dar abraços e fazer ameaças cochichadas ao pé do ouvido.
O caso mais emblemático foi o da deputada estadual Cidinha Campos (PDT), que denunciou ter sido ameaçada pelo então deputado durante uma discussão. De acordo com os autos do processo que ela moveu (e chegou ao STF, mas foi arquivado), Brazão teria lhe dito “nunca matei uma puta, mas tenho vontade de matar".
Quando estava em seu quinto mandato na Alerj, no ano de 2015, Brazão foi escolhido por seus pares para assumir o cargo de conselheiro vitalício do TCE. Apenas cinco deputados se opuseram à sua eleição, um deles foi justamente Marcelo Freixo, cujo partido, o PSOL, foi o único a se posicionar oficialmente contra a indicação de Brazão.
Marielle era assessora de Freixo quando ele ingressou - sem sucesso - com uma ação na Justiça do Rio de Janeiro para impedir que Domingos se tornasse conselheiro do Tribunal de Contas.
A “rixa” entre com Freixo teve início no ano de 2008, quando foi divulgado o relatório final da CPI das Milícias na Alerj (na qual Marielle Franco também trabalhou), sob a presidência do psolista, citando o nome de Domingos Brazão como um suposto envolvido com os grupos paramilitares que agem na capital, sendo um dos políticos que as milícias autorizaram a fazer campanha em Rio das Pedras, região dominada por esses grupos.
No ano de 2017, Brazão foi preso - e posteriormente solto - no âmbito da Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato, que também levou à cadeia outros quatro membros do TCE-RJ. Ele foi acusado de receber propina de empresários para não fiscalizar obras e o uso de verbas públicas do governo do Rio.
Em 2019, Domingos Brazão chegou a ser acusado formalmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR), de obstruir as investigações da execução de Marielle e Anderson.