A delegada da Polícia Federal Marília Ferreira, ex-braço direito de Anderson Torres
, relatou, em uma anotação no seu telefone, sofrer pressão para ligar o Partido dos Trabalhadores (PT) a facções criminosas durante o segundo turno das eleições. A informação é do jornal Folha de São Paulo.
O texto descreve, em primeira pessoa, a mobilização do Ministério da Justiça para tentar reverter votos, principalmente no Nordeste.
A Apple entregou as anotações do celular de Marília à CPI do 8 de janeiro . O texto não tem data específica, mas a empresa diz que são do período entre 31 de dezembro de 2021 e 18 de agosto deste ano.
"Havia uma preocupação do ministro com o Nordeste e ele falava muito na Bahia, pois havia visto no mapa com o planejamento do primeiro turno que havia muito pouca distribuição de equipes no interior da Bahia. Desde antes do primeiro turno a DINT [Diretoria de Inteligência] recebia dezenas de vídeos e postagens de pessoas, a maioria delas fake news, sobre compra de votos e ligação do PT com facções criminosas", diz trecho do texto.
"Toda notícia ou informe que chegava, tentávamos fazer a confirmação, pedindo o BO [boletim de ocorrência] ou consultando o centro de inteligência respectivo. Então, algo que estava arraigado ali na SEOPI [Secretaria de Operações Integradas do ministério] era essa relação do PT com compra de votos, e sempre comentávamos sobre isso", continua.
Marília teria auxiliado Torres na mobilização de PRF (Polícia Rodoviária Federal) no suposto cerco para barrar eleitores em estados onde o PT tinha maioria.
A PF suspeita que Marília seja responsável pelo levantamento que mapeou as cidades com eleitorado maior que 75% em favor de Lula. O ex-diretor da PRF Silvinei Vasques está preso de forma preventiva desde agosto no âmbito da mesma investigação.
"Havia uma certa pressão para que eu fizesse um relatório que indicasse a relação do PT com facções criminosas, pois havia alguns indicativos disso, mas não fizemos porque não havia comprovação", diz outro trecho do texto.
A defesa da delegada relatou à Folha que desconhece a anotação e que, se ela existir, o vazamento da informação é ilegal.
Marília foi diretora de inteligência do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro e acompanhou Torres de volta à Secretaria de Segurança do Distrito Federal após a vitória de Lula. Ela comandava a inteligência da secretaria durante a invasão do prédio dos Três Poderes, em janeiro.
As anotações no telefone da delegada também detalham pressão de Torres para que a PRF fosse reforçada durante o segundo turno. O ex-ministro chegou a ameaçar demitir o diretor-geral da corporação, Márcio Nunes, se Bolsonaro fosse reeleito.
Segundo o texto, Torres reclamou que a PF estava "de corpo mole", por isso a própria Secretaria de Operações Integradas planejaria as ações.
"Márcio perguntou se havia relatório de inteligência sobre isso, eu disse que ia tentar ver se conseguíamos demonstrar o incremento de crimes eleitorais para que houvesse justificativa de aumento de efetivo em relação ao segundo turno. Porém, conversei com o Tomás [supostamente Tomás Vianna, ex-coordenador de inteligência do ministério], e concluímos que não havia esse incremento."
A anotação também diz que o ministro "chegou a comentar que gostava muito do Márcio mas que não era uma pessoa muito firme para aquele momento e que numa eventual vitória nas eleições ele trocaria o DG [diretor-geral]".
"Márcio não queria cumprir a determinação dele, e acabou não cumprindo, pois os planejamentos não foram seguidos."
A defesa de Torres não se manifestou e disse que tomou conhecimento do fato pela imprensa.
A CPI também localizou entre as imagens do celular da delegada o print de uma tela em que aparece o tuíte escrito por um usuário em 29 de outubro, um dia antes do segundo turno.
O texto dizia: "Até o ônibus oriundo de Santo-Sé, na Bahia, que transporta pacientes que fazem tratamento médico em Salvador foi retido pela Polícia Rodoviária Federal. Eles estão tocando o terror para aumentar a abstenção no Nordeste! É criminoso! O TSE precisa agir urgentemente!".