O ex-presidente Jair Bolsonaro disse nesta terça-feira (12) que o ex-assessor Mauro Cid "é um homem decente e não vai inventar" durante a delação premiada
, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último sábado (9). Bolsonaro concedeu entrevista à Folha de São Paulo antes de ser internado, no hospital Vila Nova Star, em São Paulo.
"O Cid é uma pessoa decente. É bom caráter. Ele não vai inventar nada, até porque o que ele falar, vai ter que comprovar. Há uma intenção de nos ligar ao 8/1 de qualquer forma. E o Cid não tem o que falar no tocante a isso porque não existe ligação nossa com o 8/1. Eu me retraí [depois da derrota para Lula], fiquei no Palácio da Alvorada dois meses, fui poucas vezes na Presidência. Recebi poucas pessoas", disse ele.
"O Cid era de confiança. Tratava das minhas contas bancárias. Um supersecretário. Mas ele não participava de nada", completou.
O ex-presidente disse ainda que Mauro Cid não participava das reuniões do alto comando militar ou em encontros com chefes de Estado, seu papel se restringia a marcar as reuniões. Por isso, Bolsonaro afirmou não temer que Cid delate algo comprometedor.
"Não, não tenho [medo da delação]. Ele não participava de nada. Eu estive com o [presidente da Rússia Vladimir] Putin, por exemplo. Estive com o [presidente dos EUA Donald] Trump. Éramos eu e o intérprete. Ele [Cid] nunca estava [presente nas conversas]. Ele agendava, ali, os horários de encontros com chefes de Estado, com ministros, com autoridades, com comandantes de força. Mas nunca participou dessas reuniões. Quando você conversa com os [generais] quatro estrelas, não fica nenhum tenente-coronel do lado. Até mesmo por uma questão de hierarquia", disse.
Por outro lado, Bolsonaro confirmou que Cid cuidava da conta bancária do ex-presidente e da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro . "Era um cara para desenrolar os meus problemas".
Mesmo assim, Bolsonaro disse que as contas de Michelle não ultrapassavam R$ 3.000 por mês, porém ela não estaria conseguindo retirar o extrato da conta bancária na Caixa.
Cid é acusado de ajudar Bolsonaro a vender joias sauditas para incorporação ao patrimônio pessoal do ex-presidente. Quanto a esse fato, Bolsonaro admite ser uma mancha em seu mandato.
"Se você tirar da minha vida os presentes [que ganhou de autoridades estrangeiras e depois foram comercializados por Cid no exterior] e o 8/1, que foi depois do fim do meu mandato, não tem o que falar do meu governo, com todo o respeito. Posso ter tido briga com a imprensa e falado palavrão, porque a gente fica revoltado. Fora isso, não há nada para falar."
O ex-presidente disse ainda não guardar mágoa de Cid por solicitar a delação ao Supremo, mas questionou a Corte por investigar o ajudante de ordens.
"Tenho, tenho [afeto por Mauro Cid]. Sempre o tratei como um filho meu. Eu sinto tristeza com o que está acontecendo, né? Eu não queria que ele estivesse nessa situação. Ele é investigado desde 2021. Por fake news? Por causa das minhas lives, em que eu falava de Covid-19? Qual é a tipificação de fake news no Código Penal? Não tem. É como ser acusado de ter maltratado um marciano. Não existe isso aí. Por que se abre um inquérito dessa forma, e os inquéritos duram para sempre? Qual é a intenção?", questionou.
"Quando eu era segundo-tenente do Exército, fiquei revoltado com um soldado e mandei um relatório para o subcomandante, um tenente-coronel antigão. Ele me chamou e disse: "Reflita sobre o que você escreveu e volte aqui às 16h. E mais: se coloque no lugar do soldado". Quando voltei, à tarde, pedi para rasgar o que eu tinha escrito. Eu me coloquei no lugar do soldado. E agora, nos meus dias de reflexão, eu me coloco no lugar do Cid. E eu tenho um pensamento sobre ele: eu pretendo –e brevemente, se Deus quiser– dar um abraço nele. É só isso que eu posso falar", seguiu.
Cid estava preso desde maio, entretanto, em razão de outro inquérito, que apura uma suposta fraude em cartão de vacina. Segundo a investigação da Polícia Federal, Cid teria atuado para fraudar certificados de votação para si próprio e para seus familiares antes de uma viagem aos Estados Unidos.
Além disso, é investigado por participar da reunião entre Bolsonaro e o hacker Walter Delgatti para solicitar uma invasão ao sistema das urnas eletrônicas.
O ajudante de ordens foi solto no sábado (9) após o ministro do STF Alexandre de Moraes homologar a delação, no entanto, Cid teve de ser afastado do Exército, além de perder o porte de arma e terá de usar tornozeleira eletrônica.
Golpe de estado
Segundo a colunista Mônica Bergamo, Bolsonaro fez questão, mesmo antes de ser perguntado, de salientar que nunca participou de tentativa de golpe de estado.
"Desde que assumi [como presidente], eu fui constantemente acusado de querer dar um golpe, tendo em vista a formação do meu ministério [com diversos militares em postos-chave], e as minhas posições como parlamentar [de apoio ao golpe de 1964]. Mas vocês não acham uma só situação minha agindo fora das quatro linhas da Constituição. Nenhuma. Não seria depois do segundo turno [das eleições de 2022] que eu iria fazer isso [tentar liderar um golpe]. Muito menos no 8/1. Eu já não era mais nada, estava fora do Brasil."
Bolsonaro insinuou que o oito de janeiro teve participação do governo Lula e que os bolsonaristas "sempre" se manifestaram pacificamente. "O 8/1 foi um movimento que, no mínimo, contou com a omissão do atual governo", declarou.
Sobre a mensagem com teor golpista que postou em meio à invasão aos prédios dos três poderes, Bolsonaro justificou ao dizer que estava internado e sob efeito de morfina.
Já quanto ao discurso no Forte Apache, Quartel General do Exército, onde manifestantes pediam intervenção militar, Bolsonaro negou ter atuado para inflamar o grupo.
"O pessoal estava se manifestando lá em frente ao forte apache [como o QG do Exército é chamado pelos militares] e eu apareci. Botei panos quentes. Estava lá o cara [referindo-se a manifestantes] levantando a faixa a favor do AI-5. Conversa com ele, pergunta se ele sabe o que é AI-5. Não existe mais AI-5 desde a década de 1970. Eu dizia "para de focalizar nesses assuntos porque apenas traz coisas contra a gente". Ao longo do tempo, acabaram essas faixas. A gente vai educando o povo, para que as pessoas façam um protesto produtivo, e não provocativo."
Bolsonaro disse que não vê motivos para ser preso e que não poderia ser preso preventivamente porque não está obstruindo as investigações, mas se queixou dos processos não estarem correndo na primeira instância da Justiça.
"Nós reclamamos porque o nosso processo deveria estar correndo na primeira instância [da Justiça], como aconteceu com o Lula e com todos os que já teve problema. Todos. E isso não está sendo respeitado. Por que eu estou [sendo julgado] no Supremo Tribunal Federal? Porque ali não cabe recurso para mim."
Cirurgia
O ex-presidente Jair Bolsonaro finalizou na manhã desta terça-feira (12) duas cirurgias e já está na sala de recuperação. Segundo o advogado de Bolsonaro, Fábio Wajngarten, os procedimentos ocorreram "dentro da maior tranquilidade".
Desde a facada que recebeu na campanha eleitoral de 2018, o ex-presidente passou por seis procedimentos cirúrgicos, mesmo que alguns não estejam ligados diretamente ao ocorrido.
Na entrevista, ele afirmou não ter medo de morrer.
"Recebi agora imagens, inéditas para mim, de 2018 [quando levou uma facada], em que eu estava delirando [fica com lágrimas nos olhos]. Se eu tivesse morrido, não teria sentido nada. Então essa questão de vida, de morrer, não morrer, ela virá naturalmente. Só peço a Deus que, se for morrer um dia, eu morra sem sofrimento. Diferente do meu pai, que sofreu muito com um câncer. Então essa é a vida."