Alunos da creche Cantinho Bom Pastor retomaram as aulas nesta segunda-feira (17), quase duas semana após o ataque que deixou quatro crianças mortas em Blumenau (SC). A rotina deve ser alterada na escola, começando pelas reformas implementadas nos últimos dias, como o aumento do muro de proteção.
O crime no interior de Santa Catarina foi um dos quatro ataques consecutivos que aconteceram nas últimas semanas. A preocupação de novos ataques se tornou frequente, mobilizando escolas a encontrar alternativas para aumentar a segurança dos alunos e tranquilizar os pais.
Marcos Neli é coordenador de uma escola particular de ensino fundamental e conta que nunca viveu algo parecido. Diariamente ele recebe pais de alunos preocupados com a possibilidade de ataques no colégio.
"Agora mesmo tive três reuniões. Todos os dias eu recebo pais e tento explicar a segurança de nossa escola, mostrar que aqui é um ambiente calmo", conta Marcos.
"Esses pais precisam externalizar a preocupação que eles estão tendo com a escola, com a segurança dos filhos. É natural, é legítimo", completa.
Para reforçar a segurança, a escola implantou grades que separam a secretaria das salas de aula. Para visitas na escola, um funcionário acompanha para impedir qualquer contato de estranhos com alunos.
“Há um segurança em cada portão da escola. Temos um porteiro que anota RG, nome e entrega um crachá para visitantes. Qualquer pessoa que entre na escola e não tenha relação com alunos ou seja funcionário terá sua visita supervisionada pelo porteiro ou pelas inspetoras. Aqui ainda temos duas barreiras de proteção para aumentar a segurança dos alunos e passar maior tranquilidade para os pais”.
"Esteticamente, eu acho horroroso, mas é uma questão de segurança e, por isso, precisamos adotar isso".
Para professores, a preocupação maior é amparar os alunos em um momento delicado como esse. Na visão do professor e biólogo Marcelo Mestriner, a escola tenta passar a importância da segurança aos alunos, mas o trabalho dos psicólogos nas escolas é fundamental para acolher pais e alunos.
“Eu trabalho numa escola que tem esse profissional [psicólogo] e ele é atuante. Esse profissional é necessário para nos dar sinais de algo errado poderá acontecer. Mostrar aos professores que precisam captar ações dos alunos incomuns. Isso já extrapola a psicopedagogia, extrapola o ensino, já um extra educação. É caso de psicologia mesmo”, afirma Mestriner.
“As escolas deveriam ter pessoas adequadas para trabalhar isso previamente. Não é visitar a escola e fazer palestra. É ficar lá e vivenciar o dia a dia dos alunos. Acho que um profissional de sociologia também poderá complementar ao psicólogo e observar esses sinais, que às vezes passam despercebidos pelos professores e outros funcionários”.
Alunos tomando as dores
Além da sensação de insegurança, diretores e professores estão lidando com a onda de violência entre os próprios alunos. Em redes sociais, adolescentes afirmam que irão armados para a escola.
"Nas redes sociais, há adolescentes dizendo que gostariam de entrar armados com pau, porretes, mini facas em escolas. Estamos monitorando ao máximo essa situação, mas não conseguimos fiscalizar tudo", conta Marcos Neli.
Neli acredita que a falta de moderação dos pais nas redes sociais das crianças colabora para o descontrole emocional dos jovens.
"A gente precisa repensar algumas coisas. Acho que não há apenas um distanciamento da família com a escola, acho que existe um distanciamento da família com relação aos seus filhos também. Muitas vezes, em reuniões de pais, pouquíssimos comparecem", afirma.
"Eles [os pais] precisam acompanhar o que seu filho faz nas redes sociais. É preciso ter uma conversa com eles, ver o que os aflige. Nós, comunidade escolar, estamos fazendo o possível para ter uma conversa democrática com eles, estamos mostrando aquilo que é verdadeiro e aquilo que é falso e estamos ouvindo, conversando com esses alunos para saber se há algo que incomodam, o que precisa mudar", completa.
A opinião de Marcelo Mestriner é a mesma do diretor. O biólogo, que dá aulas para o ensino médio, afirma que os atos de violência não podem ser creditados à escola.
"Eu acho muito errado isolar e dizer que essa violência está fixada só na escola. Isso é um reflexo de uma sociedade. É reflexo de um comportamento digital maluco. Há uma mudança total de paradigmas dentro da cabeça das pessoas de maneira geral", explica.
Trabalho lento, mas necessário
Acompanhando os relatos de pais e professores da creche de Blumenau, o psicólogo Marcelo Filipecki acredita que será necessário um trabalho psicólogo para tranquilizar as vítimas do ataque. Alunos devem ser os mais ouvidos pelos profissionais, mesmo que o período de trabalho se estenda.
“A primeira coisa que precisa ser feita é um acolhimento por parte de profissionais da área de saúde mental e das instituições em relação a isso. Precisamos entender que quando acontece isso sai de uma esfera de luto individual para um luto coletivo. E como qualquer processo de luto, tem etapas que precisam ser respeitadas e trabalhadas”, afirma Filipecki
“Eles precisam, basicamente, de acolhimento dos medos, acolhimento das angústias e trabalhar isso com muita franqueza. É preciso mostrar que existiu a situação e, por isso, precisa ser enfrentada”, completa.
O iG tenta contato com a creche para saber se os alunos e professores passarão por acompanhamento psicológico. A reportagem ainda questionou quais outras melhorias na segurança do colégio foram implementadas, mas ainda não obteve retorno.